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18 setembro, 2023

Os Morcegos

   Ele estava lá, imóvel; apenas observava o revoar dos morcegos, que cortavam velozes o ar ao seu redor. Era uma imagem curiosa de se observar, ele parado ali e todos aqueles morcegos indo e vindo, frenéticos, sorvendo o que restara nos bebedouros dos beija-flores.

   O que passava por sua mente naquele instante era difícil de se saber. Ele jamais fora um homem previsível; encontrá-lo ali, em meio ao voo dos morcegos era ótimo exemplo de sua imprevisibilidade.

   Até que, em determinado momento, balançou o corpo, deu meia-volta e retornou para dentro de casa, sem nada dizer e fechando a porta atrás de si.

   Depois desse dia percebia-se a repetição do mesmo costume, vez ou outra, mas sempre da mesma forma, sem dizer palavra; apenas à observar o voo dos morcegos.

   Alguns anos depois, soube-se que ele falecera de forma natural, levando consigo a razão de porque desenvolvera esse costume de observar os morcegos. Talvez gostasse das criaturinhas noturnas. Mas a verdade é que o real motivo para todo o sempre será um mistério.

15 maio, 2023

Memórias de Cotswolds

Eu costumava olhar a sutil névoa que cobria as manhãs de Cotswolds, quando visitava minha avó durante as férias. Nunca tivemos isso no Brasil, ainda menos no Rio de Janeiro. Aqueles momentos matutinos em terras inglesas me faziam sentir como um personagem mitológico de um livro de aventuras que Tolkien nunca escrevera, ou que escrevera, mas estava escondido, perdido por dezenas de anos, sem que ninguém suspeitasse de sua existência; e esse pensamento me fazia sentir como pertencente à uma história esclusiva e que ninguém lera ainda.

Eu devia ter por volta de nove ou dez anos, mas já tinha essa mente fértil ou dada a viagens mirabolantes, como um prelúdio de que me tornaria escritor ou qualquer outra coisa que necessitasse de uma mente criativa e sem amarras, que nunca tivera medo de criar e viver seus mundos, embora os reservasse ao particular, com receio da dureza das outras pessoas. Minha avó alimentava isso. Como boa descendente de irlandeses, a mitologia e a magia daquelas terras fluiam pelo seu sangue, transbordavam por seus movimentos e insinuavam-se através de seu olhar sempre vivaz e cheio de mistérios, que tanto me fascinavam e confortavam, quando eu desejava ser apenas eu mesmo, sem as pseudo regras de uma sociedade cada vez mais atolada na brutalidade de um mundo fabricado por medos e dominância.

Eu andava por aquelas ruas e caminhos quase naturais, encontrava trilhas diferentes e, embora fosse uma cidade, sempre fora uma cidade repleta recantos interessantes, se é que essa seria a melhor forma de classificá-los, quando 'recantos' parece tão simplista e tão inapropriadamente insuficiente. Toda a arquitetura de Cotswolds tinha algo que me remetiam aos livros, um toque especial de algo sutil, segredos furtivos de lugares e momentos atemporais, como portais para outras dimensões e mundos insuspeitados. E eu fantasiava com fadas escondidas em moitas, que me observavam curiosas; fantasiava com passagens secretas de gnomos disfarçadas embaixo de pedras musguentas ou em pequenos e obscuros vão nos velhos carvalhos.

Eu passava minhas férias de inverno nesse lugar mágico, do qual me lembro sempre com muito carinho e um impossível desejar de que um dia retorne; mas será que ele não tem exatamente o poder de retornar sempre que relembro alguns desses momentos de minha infância distante?

Hoje sou um escritor brasileiro, porque, afinal, brasileiro sou, porém há em minhas veias o velho sangue, com toda sua herança mitológica; minha alma permanece repleta das brumas e sonhos saturados de magia antiga, que inevitavelmente verto em minha escrita, em minhas histórias, que nem sempre são previsivelmente compreendidas, e permanecem nas entrelinhas, aguardando a personalidade certa, o insólito leitor, a formidável alma capaz de decifrá-las, abrindo antigos portais e trazendo de volta a magia perdida deste mundo tão quase completamente industrial.


12 setembro, 2022

E Continuam Caçando Bruxas... (Sobre Ser/Agir Diferente)

 

Fotografia de Rui Veiga
Às vezes, apesar de minha tranquilidade (aparente), tenho vontade de transgredir e revolucionar tudo, fazendo algo totalmente inesperado e que muita gente acreditaria que seria praticamente impossível que eu fizesse. Às vezes realmente faço e as pessoas se dividem comicamente em dois grupos, os assustados e os críticos. De um momento a outro, uns passam do primeiro grupo para o outro; bem previsível, após passar o susto provocado pela surpresa do inesperado. As palavras se levantam no ar como impiedosas flechas ou permanecem as carrancas estampadas, como a quererem espantar os maus espíritos, exatamente como suas similares nas portas das casas nos costumes antigos de algumas regiões do Brasil. 

Mas, apesar de toda a comoção, se é que posso usar este termo, a bem da verdade, não imagino porque eu teria que corresponder às expectativas dos outros, coisa que só diz respeito a cada um que se atreve  a usar deste artifício pouco útil. Como diz o velho adágio popular, o que eu faço da minha vida, só diz respeito a mim e NÃO DEVERIA dizer respeito a ninguém; porém, vivemos numa sociedade onde as pessoas foram acostumadas a reagirem como se a vida alheia lhes dissesse respeito e, alguns, sentem-se profundamente ofendidos, se alguém resolve pensar ou agir diametralmente diferente do que eles (ou a sociedade) estabelecem como padrão, ou seja, o supostamente certo.

Não foram raras as vezes em que me vi numa posição curiosamente hostil e me senti até envergonhado, para depois, aos poucos, começar a perceber que a opinião dos outros pouco ou nada tinha de importância em relação às minhas escolhas e na forma em que eu decidia viver. Desde que eu não estivesse de fato prejudicando ninguém, qualquer argumento em contrário não passa de falácia e intrometimento de alguém (ou alguéns) que se acha no direito de ser o juiz que vai pautar o que é certo ou errado na vida de quem vive dentro desta sociedade.

No passado, nas gerações anteriores à minha, a coisa era ainda pior e as pessoas que ousassem "escandalizar" a suposta moral vigente, era inevitavelmente colocada à margem da sociedade e tornava-se difícil mesmo conseguir viver, pois todas as facilidades (que já eram poucas) lhes eram tiradas, pois ela se tornara pessoa "marginal". Alguma semelhança à infame e desumana cultura do cancelamento de nossos dias? Pois é. Não só diz-se que as gerações atuais tem o costume de ressuscitar os costumes de das duas décadas (ou mais) anteriores, como isso já foi provado por estudos comportamentais realizados e dezenas de matérias a respeito publicadas; o problema é que nem sempre são ressuscitados bons costumes, mas também antigos vícios, alguns bem execráveis e inadmissíveis ao progresso humano em direção a um ideal humanitário e fraternal, onde busca-se atingir um mundo melhor, com relações saudáveis tanto para conosco, humanos, quanto para com os demais seres com os quais dividimos a vida neste planetinha azul.

Mas onde estaria a falha? Seria um erro de avaliação e bom censo? Mas isso não estaria ligado ao próprio interesse individual humano em buscar realmente se melhorar e eliminar de si os próprio equívocos inerentes e interferentes em seus, não só julgamentos, mas comportamento e pensamentos?

Na Bíblia se fala de "pecados", mas tirando toda sorte de religionisses, que só trouxeram mais problemas para a epopeia humana, do que benefícios, provavelmente sempre nos tenhamos equivocado em saber o verdadeiro sentido e dimensão que se buscou atingir com a escolha desta palavra. Ao invés de pensarmos de forma tão rasa, deveríamos atentar que, talvez, se buscasse dizer, pura e simplesmente, que devemos eliminar de nós o péssimo costume de querer estabelecer padrões muito particulares e baseados em critérios provavelmente muito duvidosos para pautar a vida do semelhante, posto que este, a meu ver, tem sido o maior mal do ser humano. Em toda a história, não fizemos mais do que condenar o outro pelo que supostamente deveria ser o certo e, muitas vezes, distorcendo os fatos ou omitindo-os, vaticinamos que este suposto mal deva ser eliminado da face da terra, custe o que custar, quase sempre cometendo as maiores atrocidades em escala global, em um processo de guerras consecutivas e sem fim. E pensar que isso começa com um supostamente inocente julgamento em relação à decisão de outra pessoa, que escolhe mudar e fazer algo diferente de/em sua vida.

Talvez, o problema do ser humano não seja o ego, mas o egocentrismo, a egolatria, o egoísmo. Mudar o foco para uma possibilidade mais coletiva e em expansão constante pode ser o único caminho da "salvação" de uma sociedade aos trancos e barrancos faz tempo e que muitos consideram em claro declínio e cujo destino pode ser derradeiro, caso não consigamos virar esta chave tão necessária.

Tudo isso é um bom ponto, creio eu, para ser não só refletido e paralisado na reflexão, mas que trazido para o dia à dia os seus bons resultados; e que resolvamos também mudar nosso modus operandi, para uma vida de relacionamentos mais respeitosos e, obviamente, mais saudáveis. 

Mudar, finalmente, pode ser a melhor escolha, em vez de julgar.

24 agosto, 2022

Nossos Caminhos Estranhos

A gente caminha, muitas vezes, por caminhos estranhos, cujos destinos não se tornam muito claros até que estejam debaixo de nosso nariz. E nem sempre estes caminhos levam a conclusões muito agradáveis. Talvez seja mais honesto dizer que quase nunca. 

Nossos sonhos são os motivadores de nossos passos inseguros e incertos, mas quantas vezes nos conduziram a algum tipo de felicidade? Evitamos a sinceridade dessa resposta, porque morremos de medo de perder a fé em nossos sonhos. É, somos covardes contumazes e nos alimentamos dessa pseudo-ignorância, uma auto obnubilação conveniente, para que não tenhamos que lidar diretamente com a realidade, que nos parece tão cruel e verdadeiramente impiedosa. Talvez o seja, mas é aos olhos da sociedade; a realidade em si é inexpugnável, indecifrável e inalcançável; somente podemos possui-la através de seus fragmentos e pontos de vista limitados. Somos insuficientes, incapazes, sensorialmente limitados. Ainda assim, fazemos bravatas como donos da verdade em muitas ocasiões; fanfarronice descabida de egocêntricos babacas.

Caminhamos embevecidos por entre os avanços tecnológicos, como se isso representasse nossa própria evolução humana, que, na verdade, pouco aconteceu; somos bárbaros hightech espreitando a primeira cutucada, para levantarmos mais uma vez nossas clavas e explodir os crânios de nossos desafetos, seja de forma metafórica ou mesmo literal. Pouco nos conhecemos, pouco nos controlamos, pouco humanizados. Os instintos ainda nos arrastam e tudo pelo qual lutamos tem como pano de fundo o poder, o prazer e o sexo. Absolutamente tudo. Seja evidentemente, seja disfarçadamente, com mil e um disfarces sociais, porque afinal, há de se garantir a máscara; a máscara é tudo. Ela é tão importante para nossa miserável existência, que avolumamos dezenas e dezenas delas, cujas trocas frequentes acontecem a todo instante, dia após dia, de acordo com a conveniência, de forma a mantermos nosso teatro grotesco de falsas verdades, verdadeiras mentiras travestidas e oportunas.

E nossos caminhos estranhos se prolongam tanto quanto se prolonga nossa falsidade e continuamos na desfaçatez do risco do cego que não quer ver, até que a própria vida nos dobre dolorosamente, de um jeito insuportável e inescapável.

16 maio, 2022

A Arte e a Barbárie nestes Brasis

 Ser ator no Brasil ainda significa estar disposto a lidar com uma quantidade enorme de consequências da falta de uma educação avançada e uma valorização real da cultura, que infelizmente mantém a maioria popular num limbo de preconceitos, conhecimento raso e, obviamente, falta de respeito, enquanto vítima da armadilha da mitificação da profissão. Haveria como ser diferente? A resposta é óbvia: claro que sim. No entanto, a estrutura social brasileira é tão frágil e calcada ainda num jogo desumano de capataz e serviçal, um bom figurino para disfarçar a mesma relação senhor de engenho e escravo de tempos idos (?), que se torna impossível esperar que a maior parte da população consiga de fato avaliar corretamente a importância da Arte e de outras profissões, não necessariamente da área artística, muito embora a Arte esteja em praticamente tudo em nossas vidas.

O que esperar do futuro do eterno país do futuro, que mais parece sem futuro, diante da falta de uma valorização real das aptidões das pessoas em seu processos individuais de educação, quando a própria educação, cujo princípio e proposta é até boa, mas foi sucateada pela corrupção tão vil que assola o Brasil desde sempre, não está voltada para o indivíduo e suas aptidões particulares?

É preciso que se humanize a educação, senão a maior parte de nós continuará no fundo deste abismo sombrio, olhando para cima, para os poucos bem-educados e cultos, uns se considerando quase deuses e outros presos ao complexo das impossibilidades; tudo isso parte de um espetáculo torpe, que mimetiza a real condição em que todos inebriadamente se encontram, num país eternamente de farrapos educacionais, institucionais, culturais e sociais, que vive o carnaval de que tudo está bem e - pior! - que se é o suprassumo da raça humana, muito embora se busque valorizar tudo que venha de fora, menos o que realmente vale a pena de ser copiado.

O Brasil é refém de si mesmo, de suas próprias armadilhas orgânicas, onde se deita em berço esplêndido, não necessariamente confortável, mas eternamente atado à preguiça de se fazer diferente, de se reformar, consertando seus defeitos, sempre calcado no indesviável humanismo e valorizando de verdade as tantas qualidades reais e preciosidades naturais que tem. 

Agora, essas e quaisquer outras mudanças na estrutura social só vão acontecer, quando cada indivíduo se responsabilizar e se dedicar em promover esta mudança em si e em seus próprios conceitos, padrões e paradigmas. A estrutura não muda, se a base - os indivíduos que a compõem - não mudar antes. Não existe milagre e nada vai mudar, se as pessoas que compõem a sociedade permanecerem escravas de (pre)conceitos e paradigmas inúteis, que não promovem um avanço em direção à empatia e a busca de uma vida melhor para todos.

E qual a importância do ator, assim como da própria Arte em si mesma, nesse processo? Ela é a "entidade", a vertente criativa, que nos mostra outros pontos de vista, que nos oferece a possibilidade de expandir nossas percepções, de entender melhor o quadro geral. A Arte nos convida a ir além de nosso diminuto e insuficiente ponto de vista diante da realidade, realidade essa, cuja abrangência é sempre maior do que podemos imaginar. Ir além de nossas próprias e costumeiras concepções, nos permitir entender essa crescente abrangência dentro de nossa capacidade também crescente de percepção, é a chave para continuarmos a crescer, a evoluir nesse processo o qual denominamos Vida.

Uma noite dessas...

 E a noite adentra em si mesma, nos rebocando à revelia, através de seu leito de suspensão da razão; um descanso das elucubrações e preocupações adereçadas de nossas inúmeras mesquinharias, bem naturais à nossa personalidade egocêntrica.

Do Desânimo do Escritor

 Eu estava me sentindo desanimado para escrever, quando percebi que essa sensação, essa predisposição, tem sido promovido pelo meio editorial brasileiro. É triste como a coisa funciona de forma absurda e como uma rua sem saída - não aceitam receber seu manuscrito e mandam você arrumar um agente literário, que por sua parte, não quer te agenciar, porque você não é um escritor renomado, então nem se dá ao trabalho de ler o material para ver se é bom e merece ser defendido; ou mercado que te absorve de forma supostamente benevolente, com o tempo revela-se de forma friamente desonesta. Daí, resolvi que não deixaria essa latrina toda influenciar na minha pena ou minha vontade de trabalhar as letras e minhas histórias. Minha escrita é mais do que arte; é clara resistência. Mas, então, Arte, entre outras coisas, não é óbvia resistência a aceitar apenas a realidade insensível e formatada (muitas vezes desumana e violenta!)? Então, não estou fazendo nada do que já não fazia, apenas que com mais consciência, determinação e autenticidade.

13 julho, 2021

A Manhã Fria

 O caminhar inexorável dos anos tem se revelado um peso e um alívio. Enquanto a cada passo na areia exige-se maior esforço para puxar o pé no intento de um novo passo, mais o coração se liberta dos convencionalismos sociais escravizantes de uma vida ordinária em meio à sociedade.

A luz ofuscante do sol da manhã fere levemente os olhos ainda acostumados à noite de sono, mas o dia não se importa e precisa seguir em frente, independente de nossa vontade, de nossas ideias. Enquanto os pássaros cantam uma alegria que não é a minha e ainda me falta explicação sensata, vou atravessando lentamente o jardim e buscando contraditoriamente o calor do sol, o mesmo que me fere os olhos, nesta manhã fria de inverno.

O passado teimosamente insiste em me visitar, mas não tenho pensamentos para ele agora e prefiro as trivialidades mais ao alcance do tempo presente, apesar de aparentemente sem atrativos que me seduzam, a não ser pela necessidade do calor solar.

O céu está absurda e profundamente azul e promete um calor que o dia não poderá certamente cumprir; o inverno impõe sua hegemonia de direito e, aceitemos ou não, é o que há para vivenciar, independente de nossa revolta raquítica e insuficiente. Mas eu gosto do inverno. Ele não é o portador de falsas promessas de supostas delícias, como o verão que anuncia um tempo de alegria, enquanto sufocamos e esvaímo-nos em insuportáveis quarenta e cinco graus de loucura torturante. O inverno me ajuda a lembrar que somos fortes, mas nem tanto e, por isso mesmo, somos mais humanos e menos pretenciosos.

Olho para o fundo limoso da piscina, que pede por uma limpeza que não virá tão cedo. Algumas folhas boiam e outras jazem na profundidade, um vislumbre metafórico quase piegas da morte, que já não me assusta há muitos anos. Sua força é um mito alimentado pelo medo dos ignorantes e covardes. Apesar de reconhecer minha covardia óbvia e denúncia de minha lamentável fraqueza, da morte só reconheço uma passagem necessária, enquanto os idiotas esperam medrosa e contraditoriamente a resolução de tudo.

Sento na cadeira de praia e, como a carne morta numa grelha, me exponho ao calor quase sutil dessa manhã sem sentido e dispensável, não fosse a impossibilidade de recusar o dia que se há de viver, independente de minha vontade desimportante.

O tempo consome as horas lentamente, enquanto o sol sorrateiramente aumenta sua fome sobre mim, aproveitando-se de minha ânsia por calor; um estratagema que esconde em suas camadas sutis, os furtivos limites entre vida e morte. E não fosse o reclame do corpo diante do inevitável desconforto que beira o exagero, o tênue limite se tornaria o arauto evidente do ocaso humano, a despedida silenciosa, o final da comédia.

Mas sigo ao sol, enquanto me entrego a um dos poucos prazeres que me restam, que seja os poucos minutos de calor nesta manhã fria, antes que o desconforto me leve a praguejar aquele que antes me ofertava prazer.

23 dezembro, 2020

O Próximo Passo Humano

Há aquele pequeno e intrínseco momento quase inidentificável, onde a mente fica em suspenso tentando concatenar ideias e palavras, para significar o que se nos apresenta. Um hiato atemporal, que nos arrasta pela eternidade de alguns segundos - talvez minutos. É exatamente quando e onde não somos nossas máscaras, onde o ego debate-se sem identidade, indefeso e inapto para abarcar o que a mente não alcança e não há palavras que se combinem, que se adequem, que consigam algum sentido, pois não é a região das palavras, é uma planície inexplorada e eterna esperando nossa inexorável rendição, que pode vir agora ou numa próxima qualquer ocasião, para que finalmente exista um significado inalcançável pela razão.
Este é o sentir.

02 setembro, 2020

Natureza Humana

O passarinho estava pousado no galho e não viu mais do que uma sombra furtiva, enquanto o próprio suspiro fora interrompido antes de tudo escurecer e a vida fechar-se definitivamente entre os dentes do gato. Deixara de ser um passarinho para tornar-se refeição.

Eu observava de longe e, entre maravilhado e indignado, vi como, de uma consecução de saltos instintivamente calculados, o gato chegou até o gramado do jardim e passou a saborear a liberdade perdida entre os dentes. Mas isso não durou muito, pois, inesperadamente, um flash de cores passou rasante sobre o jardim, arrastando o gato às alturas em meio a um miado desesperado, que logo se distanciou nas garras de uma águia enorme.

Aqui fiquei absolutamente surpreso com a consecução de fatos inusitados, ainda tentando absorver a grandiosidade de tudo aquilo que acabara de acontecer diante de meus olhos. Era a natureza em sua mais simples representação de equilíbrio de forças e compensações, que ao olhos humanos poderia repercutir facilmente, como resultado de um impulso emocional natural de nossa consciência julgadora, impiedoso. Perfeitamente compreensível, pois criamos nossos próprios códigos de conduta, enquanto isolávamos os próprios códigos naturais, sobre o rótulo de selvagens. No entanto, nós próprios temos, através de nosso supervalorizado código de conduta, o exemplo de selvageria adequadamente ajustado aos desequilíbrios próprios de nossa imperfectibilidade, a qual tentando fingir não existir, para que assim possamos continuar posando como o auge da vida, a evolução suprema sobre todo o reino natural, da qual gostamos de sentirmo-nos apartados, tal qual seres especiais e que, portanto, podem dispor da indiferença. Mas quem somos nós, senão seres inteligentemente arrogantes? Nossa selvageria é menos selvagem do que a produzida pela própria natureza? A natureza tem o álibi, como se isso tivesse qualquer importância para ela e que a mesma necessitasse de justificativas para ser o que é, em toda sua magnanimidade; ela usa da selvageria como simples satisfação de necessidades reais, de acordo com o mantenimento da própria vida de seus seres, entre fracos, fortes, espertos etc. Enquanto isso, qual nossa justificativa, que valeria realmente uma significação real para nossa selvageria calculada e cheia de interesses escusos, onde em último caso, o mantenimento da vida seria a razão, no entanto, o alimento desta selvageria humana tem apenas por alimento a adicção pelo excesso, a não satisfação com o que apenas e justamente é o suficiente. Portanto, quem é o verdadeiro selvagem? A mínima noção de sensatez nos aponta sem dúvidas a nós próprios e a nossas razões sem razão.

O passarinho, o gato, a águia… meros atores de um quadro em constante movimento que denominamos vida, mas a qual, queiramos ou não, pertencemos, mesmo sem nos identificarmos plenamente, por nosso erro de avaliação, por nossa presunção e teimosia em tentar reinventar a vida, quando ela mesma está pronta e sem precisar de retoques. Talvez precisemos reaprender e, com isso, talvez a tornemos mais justa, desde que eliminemos nossas supostas interpretações de nós próprios, da vida e, consequentemente, de nossas relações com o real.

27 agosto, 2020

TRANSIÇÕES

Eu esperava todos os dias meu pai chegar do trabalho. Ficar perto da porta era como uma atração inconsciente, que me levava até lá e me punha em prontidão. Ficava olhando através daquele vidro irregular, que pouco deixava ver do lado de fora, senão, quando muito, um borrão de cores, mas em meio a qual eu conseguia distinguir o movimento, a aproximação de meu pai.

Lembro que minha mãe achava graça e, como que para comprovar e se divertir com meu impulso inconsciente, me chamava, fazendo sugestões para alguma outra distração, mas a atração pela posto de prontidão era invencível; eu sempre voltava para o mesmo lugar e continuava esperando por meu pai.

É engraçado falar sobre isso hoje, pois o tempo foi orquestrando mudanças nessa admiração, através de acontecimentos desagradáveis que começaram a surgir no meio do caminho. Ou talvez já estivessem presentes, de uma forma ou de outra, mas eu não me dera conta disso, senão mais tarde, quando tive maturidade suficiente para perceber que alguma coisa estava errada. O fato, que ficou cada vez mais claro com o tempo, desde quando comecei a perceber a existência de alguma discrepância nos relacionamentos, é que não era nada as mil maravilhas que uma criança imagina. As diferenças, as dores, os erros, as mágoas... Tudo isso começou a ganhar uma dimensão cada vez maior à minha percepção e o cinza foi tomando o lugar da cores, enquanto eu despertava ara a realidade de que meus pais não eram apenas imperfeitos, mas tinham coisas muito ruins, sobretudo meu pai. Sei que parece ingratidão falar sobre isso, ainda mais por eu não ter sofrido uma vida de violências e carências extremas, muito pelo contrário, tive uma vida até boa neste sentido, mas a questão é que existem outras sutilezas capazes de nos arrastar lentamente para uma desilusão que estava longe de ser produtiva e fortalecedora. Algo me incomodava muito e cada vez mais, tornando-se um ponto em desequilíbrio nervoso, uma raiva inconsciente e a qual não conseguia explicar.

O tempo passou e fiquei mais velho, vindo a presenciar incongruências e até situações absurdas e de extrema ingratidão entre meus pais e que acabaram levando minha mãe a tentar o suicídio, tomando uma quase overdose de calmantes. É importante falar sobre isso, pois essa foi a facada derradeira, que me distanciou de vez de meu pai. A partir deste acontecimento, uma traição sem razão, logo após ele mesmo ter passado por uma depressão avassaladora, onde minha mãe tinha sido heroicamente o pilar de tudo, já que ele estava praticamente ausente, sem a menor possibilidade de conduzir a família. Depois de tudo que minha mãe suportou e fez por nós e, principalmente, por ele, a atitude inesperada e ingrata da traição foi o veneno pior, da qual uma família dificilmente consegue sobreviver. Apesar de a família seguir em frente, jamais foi a mesma e as relações esfriaram ainda mais. A conveniência social impediu que se desse o golpe de misericórdia. Depois disso, minha mãe entrou num quadro de saúde cada vez mais decadente, que acabou culminando numa série de acidentes vasculares cerebrais e, consequentemente, sua morte anos mais tarde. Essa morte foi o corte definitivo nas ligações que ainda poderiam existir entre ele e eu. Ela ter morrido foi um grande alívio para mim, pois jamais fui de grandes demonstrações emotivas, mas, por dentro, eu sofria demais em vê-la do jeito que estava ano após ano, em decadência contínua e cada vez mais mergulhada demência, que a meu ver, era física, enquanto lá dentro o espírito sofria omo numa masmorra. Eu via isso. Eu sentia isso. E a impossibilidade de mudar este quadro, de ajudá-la de alguma forma, sempre me obsediava impiedosamente.

Não morávamos mais juntos nesta época e eu seguia uma caminho totalmente diferente de antes, acentuando ainda mais a distância. E como ele nunca foi de falar muito comigo, esquecendo inclusive o dia de meu aniversário, entre outras coisas, o silêncio tornou-se uma muralha raras vezes vencida por alguma ocasião, que jamais pude chamar prazerosa.

Antes sentia-me culpado, afinal era meu pai, mas, com o tempo, o desapego foi eliminando a culpa. Afinal, somos seres em experiência própria e insubstituível, onde os passos na estrada são marcados pela solidão. Compartilhar este caminho, em alguns momentos - longos ou curtos - com algumas pessoas jamais será compartilhar a experiência interna e eu fui aprendendo isso aos poucos, quando decidi que não iria mais ficar lamentando decisões e situações passadas, que serviram apenas para  aprendizado e crescimento. Elas não existiram para que erigíssemos totens ou estátuas eternas a nos assombrarem com um passado insistentemente presente. Somos todos peregrinos de nós próprios e a forma como trilhamos este caminho, como absorvemos o (auto)conhecimento e como o utilizamos nas relações com as outras pessoas é que definirá o que nos esperará no próximo porto.

Que ele siga seu próprio caminho.


19 novembro, 2019

Primeiras Linhas de um Aviso Inicial

Eu poderia discursar sobre as razões que me trazem aqui e dar inúmeros motivos idiotas para te convencer, mas isso realmente não é importante. O fato é que estou aqui, nesta posição um pouco incômoda, mas que já foi muito mais incômoda do que agora, porque eu simplesmente parei de me preocupar tanto. Percebi, enfim, que fatos são fatos e de nada adianta ficar me preocupando em demasia quanto ao que está acontecendo e ao que pode acontecer no futuro; um futuro que é uma quimera, até que o presente se movimente em alguma direção.

Cheguei aqui por 'acaso' - se é que isso existe - há dois anos. Estranhamente, fui abordado numa lanchonete. Fui pego de surpresa com a proposta e com a escolha do local onde vieram fazê-la, mas depois compreendi a necessidade de um local público; uma boa forma de evitar uma reação indesejada de minha parte.

Eles chegaram e me 'convidaram' a fazer parte de um projeto governamental sigiloso, mas que, até então, não poderiam revelar. É óbvio que achei estranho e até mesmo ri da proposta, mas depois tive que enfiar minha viola no saco, porque os sujeitos estavam mesmo falando a verdade e o tal projeto realmente existia. 

Eles me conheciam muito bem. Não só desfilaram todo meu currículo acadêmico, como também meus costumes diários, o que me deixou bem assustado, pois disseram coisas que somente eu sabia, coisas como: que lado da boca eu escovo os dentes primeiro. Parece ridículo, eu sei, mas era este tipo de meticulosidade de conhecimentos que eles tinham a meu respeito. Já estavam me observando faz tempo, pensando em 'recrutar-me' para o trabalho que faço hoje.

Por que resolvi falar sobre isso abertamente? Bem, estou doente e sem chance de cura. Não que ela, a cura, não exista, ela existe, mas vários eventos me trouxeram à posição em que estou agora e, digamos, essa doença foi resultado de algumas desavenças e desagrados, que nasceram e culminaram a partir do momento em que resolvi discordar de certos 'valores'. A cura? Bem, está exatamente em poder de quem não é muito simpático às minhas opiniões. Como não há muita esperança de que me façam uma bondade, resolvi golpear fundo, expondo o que sei, ou pelo menos, parte considerável do que sei a respeito do que andam fazendo, já há muitos anos e pelas costas de gente como você. O assunto é delicado e merece um cuidado especial com as palavras, para que não pareça uma coisa de maluco, muito embora isso acabe acontecendo de alguma forma, pelo menos no início do relato.

Bom, vamos deixar de enrolação e passar logo aos fatos que me trouxeram até este momento derradeiro de minha vida, mas que - quem sabe? - não pode ser um divisor de águas na política de acobertamento de segredos tão assustadoramente importantes para o futuro da humanidade, tirando-a deste obscuro abismo que 'eles' cismam em manter a todos. Está na hora de todos saberem o que está acontecendo e, talvez, tomar as rédeas desta loucura. Mas nunca é demais deixar de salientar que esta mudança não virá pacificamente e, sangue e vidas se perderão em meio a esta reviravolta, que só pessoas como você podem pôr em marcha, para seu próprio bem e de toda a humanidade neste planeta.

09 outubro, 2019

A História Original de A PEQUENA SEREIA


A versão de A Pequena Sereia que todos nós conhecemos tem um final muito feliz. Ela foi adaptada pelos estúdios Disney em 1985 e conta a história de amor entre a sereia Ariel e o príncipe Eric, terminando com os dois vivendo felizes para sempre. No entanto, o conto original, escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, não termina nada bem para a jovem sereia. Segundo se afirma, o autor escrevera a história baseado no amor não correspondido por outro homem.

A Verdadeira Origem do Conto

Na história criada por Andersen, a sereia salva o príncipe de um afogamento e acaba se apaixonando por ele. No entanto, sua natureza de sereia os impede de viverem juntos e felizes. Então, ela recorre à bruxa do mar, que lhe concede pernas e em troca recebe sua bela voz como pagamento. No entanto, o encantamento tem um porém: caso não seja correspondida, ela morreria dissolvendo-se na água do mar até desaparecer completamente. Dito e feito! O final acaba sendo inesperadamente trágico, pois o príncipe escolhe se casar com outra princesa. Com o coração partido, a pequena sereia vê seu destino ser tragicamente selado. 

Em 1837, quando da criação da história e da personagem, Andersen buscava representar seu fracasso na conquista de um heterossexual chamado Edvard Collin. Os biógrafos de Andersen afirmam que ele era bissexual e, totalmente arrasado, após seu amado decidir se casar com uma mulher, decidiu escrever o conto, como um recado para o amigo.

Um uma carta que escreveu para Collin, dizia: "A feminilidade da minha natureza e a nossa amizade devem permanecer um mistério". Mas, infelizmente, não era correspondido. O próprio Collin escrevera em suas memórias: "Eu me encontrei incapaz de responder a esse amor, e isso causou muito sofrimento ao autor".

Andersen parecia ansiar por fazer parte do mundo de Collin, da mesma forma que sua personagem.  O crítico de história literária e cultural Rictor Norton e autor de Meu Querido Garoto: Cartas de amor gays ao longo dos séculos, afirmou: “no conto de fadas escrito para Collin, Andersen se apresenta como o forasteiro sexual que perdeu seu príncipe para outro”.

No entanto, Andersen teve diversos reveses amorosos, onde teria se apaixonado por muitas mulheres que considerava inatingíveis e, segundo registros pessoais, sua vida sexual não era nada ativa. Talvez, seus outros contos também revelem seus conflitos de amor.

A Verdadeira História de CINDERELA

Muitos estão familiarizados com a narrativa apresentada nos filmes da Disney, no entanto, a história da princesa do sapatinho de cristal tem registros de 860 anos a.C e tratam de assuntos trágicos.


Por Fábio Previdelli 

A história da Cinderela é um conto popular que se tornou famoso no mundo todo devido ao grande sucesso que teve após adaptações feitas pela Disney. No entanto, a animação de 1950 e o live action de 2015 contam uma história muito mais amena e social do que suas versões primitivas, que tratam de assuntos como assassinatos e mutilação.

A alternativa mais antiga que se tem registro é a narrativa chinesa de Ye Xian, datada do ano 860 a.C. Além dela, outras que se tornaram mais conhecidas são a apresentada pelos Irmãos Grimm e por Giambattista Basile.

Confira abaixo alguma das versões mais antigas e mais sangrentas da princesa do sapatinho de cristal.

Rhodopis

A versão oral mais antiga que se tem conhecimento na Europa é a história grega de Rhodopis, uma cortesã grega que viveu na colônia de Naucratis, Egito. A história foi registrada pela primeira vez pelo geógrafo e filósofo grego Estrabão.

Segundo o conto, uma águia pegou um par de sandálias de uma empregada e as levou até Mênfis, no Egito. Chegando lá, o animal soltou o calçado no colo de um rei, que ficou extasiado tanto pela bela forma das sandálias quanto pela estranheza da ocorrência. Assim, enviou seus homens em todas as direções do país em busca da dona do calçado. Quando ela foi encontrada, o rei se casou com ela.

La Fresne

Essa versão do século 12 d.C, escrita por Maria da França, narra a história de uma mulher nobre que abandona uma de suas filhas recém-nascidas. A motivação do desamparo se dá pela crença da época que dizia que uma mulher que engravidava de gêmeos seria infiel, já que eles seriam oriundos de pais diferentes.

Sendo assim, ela deixa uma de suas filhas do lado de fora de uma abadia. O bebê é encontrado por um porteiro que a entrega a uma gentil abadessa. A menina recebe o apelido de Le Fresne e, quando adulta, se apaixona por um nobre cavaleiro.

A união é vista como impossível, já que ele tem que manter uma relação com alguém da nobreza e se casar com uma qualquer significaria o fim de sua linhagem. O nobre acaba sendo convencido a se casar com outra mulher, que, por ventura, é a irmã gêmea de Le Fresne. A ligação das duas é revelada no dia do matrimônio, que é interrompido para que ele se case com quem realmente ama.

Ye Xian

A versão asiática é datada por volta de 860 a.C. Nela, Ye Xian é filha de um líder tribal local que morreu quando ela ainda era muito jovem. Como sua mãe faleceu ainda mais cedo, seu pai acabou se casando com outra mulher, a qual ficou incumbida de cuidar de Ye Xian. Porém, ela é constantemente abusada e só encontra paz quando faz amizade com um peixe, que é a reencarnação de sua mãe.

Sua madrasta e sua meia-irmã matam o animal, mas Ye Xian salva os ossos do bicho, do qual ela descobre que são mágicos. Assim, ele a ajuda a se vestir adequadamente para um festival local. Calçando um sapato dourado, ela é reconhecida por sua família adotiva, que a expulsa do festival.

No meio da confusão ela perde seu calçado, que é encontrado por um rei de uma ilha marítima. Ao procurar a dona do sapato, ele chega à casa de Ye Xiang e se apaixona por ela. Assim, o monarca a resgata de sua cruel madrasta e os dois se casam.     

A versão dos Irmãos Grimm e outras histórias sangrentas

Apesar das versões apresentadas serem muito semelhantes com aquelas que estamos acostumados a ouvir. Outras interpretações do conto são muito mais macabras e assustadoras. Um exemplo é a contada pelos Irmãos Grimm. Para eles, a história de Cinderela era muito mais sangrenta.

Nela, a gata borralheira plantou uma aveleira no túmulo da mãe e a regou com lágrimas. Na árvore morava um pássaro, que a cobriu de ouro para três dias de baile. No terceiro dia, o príncipe pegou o sapatinho da desconhecida.

Na hora de experimentar nas donzelas do reino, uma irmã de Cinderela cortou o dedo do pé e a outra o calcanhar. Claro, o sapatinho só serviu na dona. E, no dia do casamento, duas pombas perfuraram os olhos das irmãs.

Pode até parecer assustador, mas essa não é a única narrativa com um final escabroso. Em uma das histórias, a moça vira empregada para fugir do assédio sexual do pai. Em outra, a madrasta, tentando matar a enteada, joga uma de suas filhas na fogueira. Numa terceira, a madrasta deixa Cinderela sem comer, numa época em que a fome rondava as aldeias.

Há outra, registrada por Giambattista Basile na coletânea Pentameron, do início do século 17, em que o pai de Cinderela casa-se com uma mulher que a trata mal, quando ela queria que ele se casasse com a governanta. Cinderela, então, assassina a madrasta.


08 outubro, 2019

O Ilustre Desconhecido

O Rio de Janeiro é uma cidade bastante cosmopolita. Gente de todo lugar vem passar férias aqui, acaba se apaixonando e ficando de vez. A cidade é realmente bonita, mais por sua natureza e proximidade entre montanha, floresta e mar.

Como toda cidade grande, o Rio também tem seus problemas, mas nós cariocas e algumas pessoas de fora que vieram morar aqui, logo aprendemos a lidar com estes contratempos de forma muito peculiar.

Meu nome é Alexander Zimmer. Sou escritor, ator e cineasta. Também sou entusiasta de assuntos pouco ortodoxos e considerados por alguns, no mínimo, duvidosos. Mas sou da opinião de que não se deve bater o martelo em relação a algo que não tenha sido analisado profundamente. Como diz o velho ditado: onde há fumaça, há fogo.

Partindo deste princípio, nunca fui uma pessoa de aceitar “achismos” de ninguém. Sempre que algum assunto desperta minha atenção, procuro saber um pouco mais e acabo por mergulhar fundo na questão.

Possuo uma biblioteca extensa sobre assuntos dos mais diversos, sobretudo, relacionados ao sobrenatural, arqueologia proibida, ufologia e… extraterrestres. Digo biblioteca, mas nisso também estão incluídos filmes, vídeos e recortes. Tenho mesmo muito material relacionado e, muitos deles, verdadeiras raridades; alguns garimpados a muito custo e outros, resultado de incursões e experiências pessoais.

Não preciso me estender muito sobre mim. Não sou a parte importante deste livro e até a presente data em que o escrevo, sou autor de dois outros romances: “A Maldição da Lua” e “Anne Blind entre Luz e Trevas”, o primeiro lançado pela extinta Editora Faces e o segundo lançado pela Editora Viseu. Porém, aqui faço apenas o papel de repórter. Na verdade, nem fui atrás do assunto em questão; ele veio atrás de mim – de certa forma. Bom, vamos por partes. Prometo que vou tentar sintetizar o máximo possível, para que a leitura não se torne enfadonha e redundante.

Apesar de não ser um investigador profissional e nem um ufólogo de verdade, sempre me interessei pelo assunto, a ponto de ir a simpósios e editar um blog, cujo conteúdo versa sobre diversos assuntos não muito ventilados pela mídia dita “oficial”, mas, sobretudo, a respeito do fenômeno UFO e de extraterrestres. O nome do blog é Filosofia Imortal (FI). O FI tem, atualmente, pouco mais de duas mil visitas por dia, de diversas partes do mundo. Mesmo no blog, procuro não emitir uma opinião definitiva sobre nada. Antes, deixo sempre a discussão em aberto, de forma que o leitor possa sempre tirar suas próprias conclusões, servindo também como incentivo para que o mesmo procure pesquisar mais sobre os assuntos de seu interesse. 

O blog funciona mais como um aglutinador de várias informações garimpadas na Internet, facilitando assim que o leitor consiga acessar tudo que possa interessar de forma rápida e com o frescor das constantes atualizações. E foi através do FI, que um dia recebi um e-mail, cujo autor se deixava conhecer apenas pelo nome de Hamilton e que reproduzo abaixo:

Sr. Editor
Antes de mais nada, gostaria de pedir sua atenção por alguns minutos.
Adquiri seu romance A Maldição da Lua e sou leitor assíduo de seu blog, não porque seja um grande entusiasta dos assuntos ali postados, mas porque um determinado tema tem muito a ver com minha experiência de vida.
Vivi muitas coisas em meus 45 anos de vida e gostaria que esta vivência não ficasse perdida. Inclusive, não é apenas de minha opinião que a história que gostaria que ficasse apenas guardada em minha lembrança, deva ser compartilhada com o público. Por isso escolhi entrar em contato com o senhor, de forma que pudéssemos conversar sobre o assunto e que tivéssemos a oportunidade de saber se seria de seu interesse, escrever um livro sobre tudo que tenho para contar. Caso não se interesse em absoluto pela minha história, compreenderei perfeitamente sua recusa, sem quaisquer ressentimentos. Reconheço mesmo, que o assunto pode ser, por demais, polêmico e não seria o senhor, creio eu, o único a recuar diante de minha proposta. Atitude que consideraria bem natural.
Obviamente, que não podemos falar sobre o assunto através de correio eletrônico, por isso, coloco-me a sua inteira disposição para um encontro, em local e horário de sua escolha. Peço apenas, que seja um local onde possamos conversar sobre assunto sério, sem sermos importunados por “curiosos”, apesar de local público, para que o senhor se sinta seguro.
Sendo assim, deixo meu telefone de contato. Ou se preferir, pode responder-me pelo próprio correio eletrônico.
Grato.
Hamilton


Obviamente que fiquei extremamente curioso com o e-mail do tal Sr. Hamilton. Mas ao mesmo tempo, fiquei com o pé atrás. Apesar de o texto ser respeitoso e até cuidadosamente escrito, deixando transparecer uma pessoa culta, confesso que não sabia se podia confiar em algo assim. No entanto, sendo uma história realmente especial, como o Sr. Hamilton prometia, não aceitar seria desperdiçar talvez uma boa história. Mais tarde, percebi que era muito mais do que uma boa história… muito mais do que isso. Graças a Deus não recusei.

Apesar da vontade de responder a mensagem por e-mail, fiquei reticente. A insegurança comum de saber se deveria dar atenção e levar a frente algo que poderia vir da mente de algum maluco. Vai que o cara é um psicótico ou coisa pior? Mas também, se eu não arriscasse, nunca saberia de fato o que estaria, por acaso, perdendo. Além do mais, ele mesmo sugerira que nos encontrássemos num local público.

Peguei o telefone, olhei para as teclas durante algum tempo e, num ímpeto, disquei os números. O telefone tocou quatro vezes, antes que alguém atendesse. Uma voz rouca, mas, ao mesmo tempo, jovial, sem perder em seriedade, respondeu. Identifiquei-me e logo começamos um papo mais descontraído, falando sobre o blog e diversos assuntos, antes de finalmente entramos no assunto em questão e que deveria levar a um possível livro. Como o papo era por telefone, não nos estendemos muito, por questões obvias. Então, marcamos um encontro no dia seguinte, uma sexta-feira, no restaurante Amarelinho, no bairro da Cinelândia, centro do Rio, às quinze horas, de forma que não pegaríamos o horário de almoço e nem a hora do rush, em que todo mundo sai de seus empregos e lotam tradicionalmente os bares, para um chopinho antes de ir para casa.

Cheguei meia-hora antes, de forma que pudesse estar atento e ver a chegada do ilustre desconhecido e, de repente, perceber algo de estranho ou não, de forma a me precaver e saber se não me metera numa furada. Péssima ideia! O que consegui foi ficar quase neurótico, a medida que o tempo passava e se aproximava a hora de encontrar com o ilustre desconhecido de nome Hamilton. A única coisa que sabia sobre ele era seu nome. Acabei por não perguntar nada sobre sua aparência quando falamos ao telefone, então, de qualquer forma, seria uma incógnita até que ele se apresentasse ao chegar. Ele estava na vantagem, pois sou uma pessoa pública, fácil de reconhecer por fotos na Internet.

O tempo passou lentamente, como a querer me deixar cada vez mais entre ansioso e descrente de que aquilo pudesse render uma boa história de fato. Provavelmente seria mais um maluco que contaria uma história besta sobre discos voadores e extraterrestres, sem o menor embasamento e cheia de absurdos, que qualquer pessoa com o mínimo de sensatez recusaria de cara.

O relógio marcou quinze horas e um homem de cabelos castanho-claros acenou para mim do outro lado, vindo da direção do prédio da Biblioteca Nacional. Vestia-se de forma simples. Uma calça jeans, uma camisa italiana e tênis. Quando se aproximou da mesa, levantei-me e, cumprimentando-o, ofereci a outra cadeira, para que sentasse. 

Tinha um olhar calmo, porém que transmitia uma confiança e energia e que dava a clara impressão de que aquele homem, além de ter um bom coração, realmente possuía algo importante para contar. Não sei bem como explicar essa sensação, apenas estou descrevendo o que senti.

– Pois então, Hamilton. Você me disse que tinha uma história e gostaria de compartilhar com o público através de um livro escrito por mim.
– Isso mesmo, Alex. Você se incomoda que eu te chame de Alex?
– Absolutamente. Fique à vontade. Mas… por que não publica-la no blog?
– Isso até poderia ser feito, mas acredito que um livro é uma forma mais segura e concreta de divulgar tudo quanto tenho para lhe contar. Até porque a história é grande e cheia de detalhes, o que por si só já seria motivo para um livro, creio eu.
– Tá. Mas por que eu? Por que não outro autor?

Hamilton suspirou fundo e deu um sorriso enigmático, que até então me pareceu indecifrável.

 –Bem, você escreve muito bem e seu interesse pelo assunto demonstra uma imparcialidade. Você não puxa a brasa para a sardinha de ninguém. Isso nos agrada.
– Nos? O que você quer dizer com isso? Tem mais gente envolvida?
– Bom, tudo a seu tempo. Se eu adiantasse tudo agora, neste primeiro encontro, creio que teria que resumir demais e o assunto, se me permite, tem importância demais para ser resumido; coisas essenciais se perderiam. Portanto, peço sua paciência para que eu possa falar de tudo conforme acredito que deva ser contado.

Fiquei curioso com tudo que se passava. Não só a forma como ele falava, mas o quanto seu discurso era conciso. A verdade era que eu ficava cada vez mais interessado e curioso. Apesar de tudo, Hamilton era muito natural e tranquilo; uma tranquilidade de certa forma contagiante.

Alguma coisa me dizia que ele tinha realmente uma grande história e essa história, possivelmente mexera e muito com o ser humano que ele era. O fato é que ele era diferente de todas as pessoas que eu já conhecera na vida. Cheguei a questionar se eu não estava fantasiando isso, mas era evidente demais essa sua diferença, para que eu pudesse ignorá-la. Era algo bom. Definitivamente, bom! Muito embora eu não pudesse identificar especificamente o que era diferente!

– Veja bem. O que irei te contar não é apenas mais uma história. Se me permite dizer, é “A história”. Tudo pelo que passei mudou e muito minha própria vida, a forma como vejo o mundo e, consequentemente, como vejo o universo.
– O universo? Um pouco forte isso, não?
– Bastante. E não há nada de exagero. É a mais pura verdade. Bem… como gostaria que eu começasse? Talvez seja melhor começar bem do comecinho, não?
– Ora… Como você quiser, Hamilton. Eu to aqui para te escutar mesmo. Posso gravar tudo o que você vai dizer? Seria mais fácil para transcrever no computador, quando eu chegar em casa.
– Fique à vontade, Alex. É melhor mesmo que grave, pois assim fica mais fiel e você não precisa resumir tudo que eu digo, enquanto escreve. Só peço que estas fitas sejam apagadas, assim que o livro for publicado. O objetivo não é que o conteúdo acabe circulando pela Internet em forma de áudio. Caso contrário, eu mesmo poderia fazê-lo. É importante que o produto final tenha qualidade e fidelidade. Muitas das coisas que contarei precisaremos esclarecer e isso renderá muitas horas de conversa entre nós dois. Lembre-se que este é apenas nosso primeiro encontro e há muito o que ser contado e principalmente entendido.

Concordei com seu pedido, que me pareceu muito razoável. Peguei o pequeno gravador digital dentro da pequena mochila, liguei e coloquei em cima da mesa. 

E assim começou a história de Hamilton.

Trecho do livro "Entrevista com o Extraterrestre"
De Alexander Zimmer
Baseado numa história verídica e fantástica.
Lançamento em breve.

02 outubro, 2019

A Verdadeira História de A BELA ADORMECIDA

Sleeping Beauty, por Henry Meynell Rheam
A Bela Adormecida é um clássico conto de fadas cuja personagem principal é uma princesa, que é enfeitiçada por uma maléfica feiticeira por um dedo picado pelo fuso de um tear. (por vezes descrita como uma bruxa, ou como uma fada maligna) para cair num sono profundo, até que um príncipe encantado a desperte com um beijo provindo de um amor verdadeiro. É um dos contos mais famosos da humanidade atualmente.

Irmãos Grimm
A versão mais conhecida é a dos irmãos Grimm, publicada em 1812, na obra Contos de Grimm sob o título A Bela Adormecida (título original Dornröschen, "A Rosa dos Espinhos"[1]) [2]. Esta é considerada que tem como base tanto na versão Sol, Lua e Talia de Giambattista Basile, extraído de Pentamerone, a primeira versão a ser publicada na data de 1634[3], como na versão do escritor francês Charles Perrault publicada em 1697, no livro Contos da Mãe Ganso sob o título de A Bela Adormecida no Bosque[4], que por sua vez também se inspirou no conto de Basile.

Segundo o conto do Charles Perrault, a versão mais popular.

Na festa do primeiro aniversário da tão desejada filha dos soberanos de um reino encantado, foram convidadas sete fadas madrinhas, presenteando a criança com dádivas como a beleza, a inteligência, a riqueza, a bondade, etc.. No entanto, uma bruxa malvada ou fada malvada que fora negligenciada porque o rei tinha apenas sete pratos de ouro, interrompeu o evento e lançou-lhe como vingança uma maldição, cujo resultado seria a morte pelo picar do dedo num fuso quando a princesa atingisse a idade adulta. Porém, ainda restava o presente da sétima fada, que havia chegado atrasada. Assim sendo, esta suavizou o feitiço, transformando a maldição mortal da fada má num sono profundo, até o dia em que seria despertada pelo primeiro beijo de amor.

O rei proibiu imediatamente qualquer tipo de fiação em todo o reino, mas tudo foi em vão. Quando a princesa completou 16 anos, descobriu uma sala escondida numa torre do castelo onde encontrou uma velha a fiar. Curiosa com o fuso pediu-lhe para ensiná-la a usar a roca de fiar, picando-se nesse mesmo instante com o fuso. Sentiu então o grande sono que lhe foi destinado e, ao adormecer, todas as criaturas presentes no castelo adormeceram juntamente, sob um novo feitiço da 7ª fada piedosa. Com o passar do tempo, cresceu uma floresta de urzes em torno do castelo, isolando-o do mundo exterior e causando dor e morte a quem tentasse entrar, devido aos seus inúmeros espinhos. Assim, muitos príncipes morreram ou desistiram ao tentar encontrar a princesa, chamada de Bela Adormecida, cuja beleza era tão falada nas redondezas.

Após cem anos decorridos, um destemido príncipe enfrentou a floresta de espinhos, mesmo sabendo do perigo mortal, e finalmente conseguiu entrar no castelo. Quando encontrou a torre onde a princesa dormia, viu que era tão grande a sua beleza que se apaixonou e, não resistindo à tentação, deu-lhe um beijo que a despertou para a vida e, seguindo-se ao dela, o despertar de todos os habitantes do reino que continuaram suas vidas e afazeres de onde haviam parado há cem anos. Na versão de Grimm a história termina aqui, enquanto que na de Perrault segue com a continuação:

O príncipe e a bela princesa casaram-se secretamente e tiveram dois filhos: Aurora e Dia. Quando a mãe do príncipe (de descendência de ogres) soube disso ficou com vontade de comê-los, e ordenou a um caçador que os matasse e trouxesse, mas o caçador colocou animais no lugar onde deveria ter as crianças. A rainha, quando se apercebeu disso, enraivecida, mandou atirar as netas em um poço cheio de serpentes, cobras e víboras durante a ausência do príncipe, seu filho, que tinha ido caçar codornizes. Mas o príncipe chegou antes do tempo previsto, e a rainha, que já não podia fazer o planejado, cheia de ódio e medo ao filho, desequilibrou-se caindo dentro do poço onde morreu. A partir daí, a princesa e o príncipe "viveram felizes para sempre"!


Os nomes da princesa

Cada versão do conto tem um nome diferente desta personagem. Em Sol, Lua e Talia, ela tem o nome de Talia, cuja derivação provém da palavra grega Thaleia, que significa "o florescimento"[4].

Perrault, por sua vez, não lhe deu nome. Esta é simplesmente chamada como "a princesa", enquanto Aurora é o nome da filha da princesa. Porém Tchaikovsky transferiu o nome da filha para a mãe, sendo então Aurora o nome da princesa no filme da Disney.

Por fim, os Irmãos Grimm referem-se à princesa como a Bela Adormecida[5]. No idioma original é chamada, tal como no título, de Dornröschen, cuja tradução de dorn é espinho e de röschen é florzinha, diminutivo de flor. Algumas versões do conto traduzem o nome da princesa para Rosa do Espinheiro, Flor do Espinheiro ou Rosa de Urze, já que originalmente o reino no qual a princesa dorme é cercado por um extenso espinheiro, sendo a princesa então conhecida como "Rosa do Espinheiro" ou "Flor do Espinheiro".


As diferentes versões

No conto de Basile, a princesa Talia cai num sono profundo quando fica com um pedaço de linho encravado debaixo da unha. O rei, que já está casado, quando a descobre no castelo abandonado fica de tal maneira apaixonado que a violenta enquanto ela dorme. Apenas nove meses após esta visita que Talia acorda, altura em que dá à luz os dois infantes, o Sol e a Lua. Quando a rainha, esposa do rei, toma conhecimento da existência de Talia e dos seus dois bastardos, ordena imediatamente as suas condenações, porém esta acaba por morrer no próprio fogo que preparava para a princesa, deixando todos os restantes felizes para sempre. Resumindo , a princesa é estuprada por um rei e dá a luz a dois gêmeos. É acordada por um de seus filhos. Desta forma, ela acaba se casando com o rei, por mais que ele tenha abusado da garota enquanto estava adormecida.

Em Perrault, a princesa acorda quando um príncipe a descobre e, apaixonados, casam-se e criam um amor que tem como frutos uma filha chamada Aurora e um filho com o nome Dia. No entanto, o amado sai numa caçada, deixando a princesa e os seus filhos ao cuidado da sua mãe ciumenta, que até então não sabia da existência do casamento do filho. Esta é descendente de Ogres e as suas tendências canibais provocariam a morte destes três, se não fosse a compaixão de um cozinheiro, que engana a sua majestade com carnes de animais. Por fim, quando o seu filho chega e descobre as tentativas de destruir a sua família, a rainha suicida-se ao saltar para um tanque repleto de sapos, serpentes e víboras que tinha preparado para a princesa.

As segundas partes destas duas versões são consideradas por alguns folcloristas como contos distintos que foram unidos inicialmente por Basile.

A versão dos Irmãos Grimm termina logo após o encontro do príncipe. Assim foi criada uma integridade superior à dos contos anteriores que a tornou, em consequência, mais popular.

Em Ever After High, Briar Beauty é a filha da Bela Adormecida.


Filmes

A história também ficou muito conhecida através do filme produzido pela Disney em 1959, que conta uma história mais parecida com a versão dos Irmãos Grimm, apesar de possuir uma série de adaptações na história: Não são doze fadas que visitam o batizado da princesa, e sim três: Flora, Fauna e Primavera. No lugar de uma fada invejosa, retrata uma bruxa sombria chamada Malévola, que possui um castelo rodeado de trevas com seu próprio exército de monstros. Tanto as fadas quanto a bruxa permanecem presentes durante todo o filme. Além disso, o príncipe conhece a princesa assim que ela nasce, já que seus pais eram amigos dos pais dela e haviam decidido casamento entre seus filhos anteriormente. Outra mudança é que as três fadas querendo proteger a princesa recém-nascida, sequestram-na e levam-na para a floresta, onde criam-na disfarçadas de camponesas. A princesa sonha com o príncipe e só descobre que é filha do rei e da rainha ao completar dezesseis anos de idade, quando Malévola a atrai para um cômodo do castelo e a princesa fura o dedo no fuso de uma roca. Com a ajuda das fadas, o príncipe ainda derrota a própria Malévola transformada em dragão (que seria equivalente à mãe ogre das outras versões) e após beijar a princesa, o conto acaba com o casal dançando em vosso casamento e as três fadas indecisas sobre a cor do vestido da protagonista. Além disso, no filme a princesa é chamada de Aurora (assim como na versão de Tchaikovsky) e o príncipe de Filipe.

Em 2014 é lançado o filme Malévola, com inspiração no clássico de 1959 da Disney, narrado sob o ponto de vista da antagonista, a bruxa Malévola, encarnada por Angelina Jolie. Aqui conhecemos uma outra versão da história: Malévola costumava ser a mais poderosa protetora do Reino dos Moors, onde habitavam os seres fantásticos. Após sofrer por uma terrível traição do Rei Stefan, ela se vinga rogando uma maldição em sua filha, a Princesa Aurora. O que Malévola não contava é que desenvolveria um grande laço de afeto com Aurora, e consequentemente, arrepender-se-ia de sua própria maldição.


Televisão

No seriado Once Upon a Time há uma fusão entre as versões de Grimm, de Perrault e da Disney. Aurora é filha da Bela Adormecida e, assim como sua mãe, também sofre uma maldição do sono, dormindo um sono profundo na Floresta Encantada. O príncipe Philip, o amor verdadeiro da princesa, ajudado pela guerreira Mulan, a encontra e a desperta com o beijo de amor verdadeiro.


Referências

  1.  Por vezes também traduzido para inglês como Little Briar Rose, cuja tradução directa é O Pequeno Matagal de Rosas.
  2.  Contos de Grimm, vol.1, nº50
  3.  Giambattista Basile, Pentamerone, "Sun, Moon and Talia" Arquivado em 7 de junho de 2011, no Wayback Machine.
  4.  The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3, pg.95.
  5.  Mal a beijou, a Bela Adormecida abriu os olhos, acordou e olhou-o com um ar doce. - Retirado de: Jacob e Wilhelm Grimm. Contos de Grimm. [S.l.]: Relógio D'Água. ISBN 972-708-392-7.
  6.  The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3, pg.96.


Bibliografia

The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3
Jacob e Wilhelm Grimm. Contos de Grimm. [S.l.]: Relógio D'Água. ISBN 972-708-392-7


30 setembro, 2019

A Verdadeira História de A BELA E A FERA


Foi no século XVIII que surgiu o conto de fadas A Bela e a Fera em uma publicação anônima de Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, mais conhecida como Madame de Villeneuve, que em 1740 publicou em um jornal francês voltado para contos, a história original de A bela e Fera, o qual possuía mais de 300 páginas.

A história da Bela e Fera foi reescrita em 1757 por Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, conhecida como Madame Leprince de Beaumont, porém ela ocultou alguns fatos da história principalmente os de teor erótico. Por ter jovens meninas como seu público principal, com isso romantizou o conto de Madame de Villeneuve criando bastante polêmica na época por censurar a obra.

Em 1991, a produtora Walt Disney transforma a história reescrita para a que conhecemos atualmente. Sendo produzidas diversas versões desde desenhos animados até chegar à última em 2017, trazendo no elenco a Emma Watson interpretando Bela.

Imagem dos personagens do filme A Bela e a Fera
de 2017 e 2004
Agora, se eu disser que a história original não tem como lição de moral que devemos amar a aparência interior de vez a exterior, você acreditaria? A versão original narra, dentro de uma história fictícia, como as mulheres idosas eram tratadas pela sociedade, que naquele momento era a realidade da autora.


GABRIELLE-SUZANNE BARBOT DE VILLENEUVE

Nascida em Paris no ano de 1685 que aos 21 anos se casou com o Monsieur Villeneuve, a qual herdou o título de Madame de Villeneuve, porém a vida de casada durou pouco e enviuvou cedo. Tendo que buscar a sua sobrevivência, Madame de Villeneuve mudou-se para a residência do escritor, poeta e dramaturgo Crébillon, a qual os dois mantinham secretamente um relacionamento íntimo, mas para a sociedade ela era somente uma secretária e governanta da casa.

Com 45 anos, pela influência de Crébillon começa a escrever romances, mas é o conto publicado em “La jeune américaine” que fez mais sucesso na época, o qual conta a história de A bela e a Fera.


UMA NOÇÃO DA HISTÓRIA ORIGINAL (1740)

Como o livro original não possui tradução para o português, todo o conteúdo abaixo é um compilado de diversas resenhas do livro.

A história se baseia na vida de uma fada idosa. No mundo das fadas, quanto mais velhas for uma pessoa mais respeitável elas se tornam, porém uma fada na sua idade madura (nem tão idosa, nem tão nova) se apaixona por um rei e através do amor deles nasceu uma pequena menina. Esta é punida do mundo das fadas e deixam-na para ser criada por um comerciante, em um pequeno vilarejo da frança, a menina cresce com uma beleza inigualável fazendo que todos a apelidaram de Bela (Belle em francês).

Neste mesmo tempo, uma jovem rainha cria o seu mais lindo príncipe com todo o conforto que o palácio pode oferecer, porém a rainha o abandona e o deixa para as fadas cuidarem. Quando o príncipe esta perto de completar seus dezessete anos, a fada que ficou encarregada de cuidar dele se afasta um por um tempo, e ao retornar algo incomum acontece, pois todo o sentimento maternal e de proteção que a fada possuía pelo príncipe se transforma em desejo carnal. A rainha intervém aos planos da fada de conquistar o príncipe e não o concede a fada o seu amado filho, por causa da idade que dela.

Ilustração do livro original de A Bela e a Fera
Furiosa, a fada lança uma maldição em cima do rapaz que o tornaria feio e repugnante, mas somente quando uma mulher aceitasse dormir com ele, por livre escolha, a maldição seria quebrada.

Com o passar do tempo o príncipe vira uma Fera rude e mal educada, até que um dia o pai de Bela acabada encontrando o seu castelo, após enfrentar uma terrível tempestade. A Fera permite que ele passe a noite em seu castelo, mas ao amanhecer ele precisará ir embora.

Assim que o sol nasceu, o pai de Bela vai até o estábulo pegar o seu cavalo e ao sair do palácio encontra uma linda roseira e apanha uma para levar a sua filha Bela. Assim que ele arranca a rosa do pé, a Fera surge da mata enfurecida pelo tamanho desrespeito e como punição decide que o pai de Bela deve morrer pelo seu ato. A sua decisão só muda quando o comerciante comenta que a flor era para sua filha mais nova.

A Fera propõe um acordo com o comerciante, que ele teria um mês para voltar e cumprir a sua punição, ou enviar a sua filha no seu lugar para que ela morresse no lugar dele. Ao chegar em casa, o comerciante, conta a família o ocorrido e todos os seus sete filhos e seis filhas ficam horrorizadas com o que acabará de acontecer.

Bela não aceitou que o seu pai morresse por causa de seu pedido e decide fugir para o castelo e tomar o lugar de seu pai. Ao chegar lá, a Fera pergunta se ela veio por livre escolha e confirmando que sim, Bela é aceita pela Fera. Mas, para Bela ficar no seu lugar ela teria que encontrar a Fera todas as noites, no mesmo horário, precisará ficar esperando a fera para jantarem juntos.

Ilustração do livro original de A Bela e Fera
Com o tempo, Bela vai perdendo o medo da fera e ele percebendo pergunta se ela deseja dormir com ele. Assustada, o responde que não. A Fera saí do cômodo enfurecida, mas na mesma noite Bela passa a ter sonhos pecaminosos com um lindo príncipe, o qual não deseja mais acordar. No próximo dia à noite, a fera a encontra novamente e faz a mesma pergunta: Bela quer dormir comigo? Ela novamente o responde que não.

Depois de alguns dias, Bela vai se apaixonando pela Fera e aceita dormir com ele. Após uma noite de amor inesquecível a Fera, após o ato, se transforma em um lindo homem.

A rainha vendo que o seu filho voltou a ser humano passa a não aprovar a relação entre ele e a Bela, por ela ser filha de um comerciante. Com isso, a fada velha revela o parentesco de Bela para a rainha, que é fruto de uma noite de amor da fada com rei da Índia, que ela após o seu nascimento foi expulsa do mundo das fadas. Depois de ter explicado que Bela também vem de uma boa linhagem, a rainha passa a aprovar o casamento dos dois.

No fim da história a fada ainda sofre algumas perdas, porém o motivo não foi revelado.

Vamos abrir um parêntese para fazer um comentário. Vou deixar abaixo dois trailers de duas versões bem diferentes de A Bela e a Fera, uma delas é a versão Disney em que romantizou para os dias atuais a história que Madame Leprince de Beaumont escreveu. Já a segunda versão é baseada na história original de Madame de Villeneuve, porém como foi feita em 2014, possui censura, mas o roteiro se aproxima bastante da história original.

TRAILER DA BELA E A FERA (2017)
Versão Disney


TRAILER DA BELA E A FERA (2014)
Versão inspirada na história original de Madame Leprince de Beaumont.


Publicitária apaixonada por filmes e seriados. Amante de livros e adoradora de viagens.