Esses momentos de lucidez extrema me ajudam a perceber que eu não posso deixar de fazer esse trabalho. Ele é único; e com uma entrega difícil de encontrar por aí, pois sou muito sincero a cada passo que damos juntos. Não sei se existe alguém que faça isso, que tenha esse carinho e a enorme satisfação que eu sinto em vê-los evoluindo. Isso tudo é muito especial para mim... e faço de tudo para que seja algo especial para eles.
12 julho, 2025
Pequenos Momentos de Lucidez Extrema
15 maio, 2023
Memórias de Cotswolds
Eu devia ter por volta de nove ou dez anos, mas já tinha essa mente fértil ou dada a viagens mirabolantes, como um prelúdio de que me tornaria escritor ou qualquer outra coisa que necessitasse de uma mente criativa e sem amarras, que nunca tivera medo de criar e viver seus mundos, embora os reservasse ao particular, com receio da dureza das outras pessoas. Minha avó alimentava isso. Como boa descendente de irlandeses, a mitologia e a magia daquelas terras fluiam pelo seu sangue, transbordavam por seus movimentos e insinuavam-se através de seu olhar sempre vivaz e cheio de mistérios, que tanto me fascinavam e confortavam, quando eu desejava ser apenas eu mesmo, sem as pseudo regras de uma sociedade cada vez mais atolada na brutalidade de um mundo fabricado por medos e dominância.
Eu andava por aquelas ruas e caminhos quase naturais, encontrava trilhas diferentes e, embora fosse uma cidade, sempre fora uma cidade repleta recantos interessantes, se é que essa seria a melhor forma de classificá-los, quando 'recantos' parece tão simplista e tão inapropriadamente insuficiente. Toda a arquitetura de Cotswolds tinha algo que me remetiam aos livros, um toque especial de algo sutil, segredos furtivos de lugares e momentos atemporais, como portais para outras dimensões e mundos insuspeitados. E eu fantasiava com fadas escondidas em moitas, que me observavam curiosas; fantasiava com passagens secretas de gnomos disfarçadas embaixo de pedras musguentas ou em pequenos e obscuros vão nos velhos carvalhos.
Eu passava minhas férias de inverno nesse lugar mágico, do qual me lembro sempre com muito carinho e um impossível desejar de que um dia retorne; mas será que ele não tem exatamente o poder de retornar sempre que relembro alguns desses momentos de minha infância distante?
Hoje sou um escritor brasileiro, porque, afinal, brasileiro sou, porém há em minhas veias o velho sangue, com toda sua herança mitológica; minha alma permanece repleta das brumas e sonhos saturados de magia antiga, que inevitavelmente verto em minha escrita, em minhas histórias, que nem sempre são previsivelmente compreendidas, e permanecem nas entrelinhas, aguardando a personalidade certa, o insólito leitor, a formidável alma capaz de decifrá-las, abrindo antigos portais e trazendo de volta a magia perdida deste mundo tão quase completamente industrial.
12 setembro, 2022
E Continuam Caçando Bruxas... (Sobre Ser/Agir Diferente)
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Fotografia de Rui Veiga |
Não foram raras as vezes em que me vi numa posição curiosamente hostil e me senti até envergonhado, para depois, aos poucos, começar a perceber que a opinião dos outros pouco ou nada tinha de importância em relação às minhas escolhas e na forma em que eu decidia viver. Desde que eu não estivesse de fato prejudicando ninguém, qualquer argumento em contrário não passa de falácia e intrometimento de alguém (ou alguéns) que se acha no direito de ser o juiz que vai pautar o que é certo ou errado na vida de quem vive dentro desta sociedade.
No passado, nas gerações anteriores à minha, a coisa era ainda pior e as pessoas que ousassem "escandalizar" a suposta moral vigente, era inevitavelmente colocada à margem da sociedade e tornava-se difícil mesmo conseguir viver, pois todas as facilidades (que já eram poucas) lhes eram tiradas, pois ela se tornara pessoa "marginal". Alguma semelhança à infame e desumana cultura do cancelamento de nossos dias? Pois é. Não só diz-se que as gerações atuais tem o costume de ressuscitar os costumes de das duas décadas (ou mais) anteriores, como isso já foi provado por estudos comportamentais realizados e dezenas de matérias a respeito publicadas; o problema é que nem sempre são ressuscitados bons costumes, mas também antigos vícios, alguns bem execráveis e inadmissíveis ao progresso humano em direção a um ideal humanitário e fraternal, onde busca-se atingir um mundo melhor, com relações saudáveis tanto para conosco, humanos, quanto para com os demais seres com os quais dividimos a vida neste planetinha azul.
Mas onde estaria a falha? Seria um erro de avaliação e bom censo? Mas isso não estaria ligado ao próprio interesse individual humano em buscar realmente se melhorar e eliminar de si os próprio equívocos inerentes e interferentes em seus, não só julgamentos, mas comportamento e pensamentos?
Na Bíblia se fala de "pecados", mas tirando toda sorte de religionisses, que só trouxeram mais problemas para a epopeia humana, do que benefícios, provavelmente sempre nos tenhamos equivocado em saber o verdadeiro sentido e dimensão que se buscou atingir com a escolha desta palavra. Ao invés de pensarmos de forma tão rasa, deveríamos atentar que, talvez, se buscasse dizer, pura e simplesmente, que devemos eliminar de nós o péssimo costume de querer estabelecer padrões muito particulares e baseados em critérios provavelmente muito duvidosos para pautar a vida do semelhante, posto que este, a meu ver, tem sido o maior mal do ser humano. Em toda a história, não fizemos mais do que condenar o outro pelo que supostamente deveria ser o certo e, muitas vezes, distorcendo os fatos ou omitindo-os, vaticinamos que este suposto mal deva ser eliminado da face da terra, custe o que custar, quase sempre cometendo as maiores atrocidades em escala global, em um processo de guerras consecutivas e sem fim. E pensar que isso começa com um supostamente inocente julgamento em relação à decisão de outra pessoa, que escolhe mudar e fazer algo diferente de/em sua vida.
Talvez, o problema do ser humano não seja o ego, mas o egocentrismo, a egolatria, o egoísmo. Mudar o foco para uma possibilidade mais coletiva e em expansão constante pode ser o único caminho da "salvação" de uma sociedade aos trancos e barrancos faz tempo e que muitos consideram em claro declínio e cujo destino pode ser derradeiro, caso não consigamos virar esta chave tão necessária.
Tudo isso é um bom ponto, creio eu, para ser não só refletido e paralisado na reflexão, mas que trazido para o dia à dia os seus bons resultados; e que resolvamos também mudar nosso modus operandi, para uma vida de relacionamentos mais respeitosos e, obviamente, mais saudáveis.
Mudar, finalmente, pode ser a melhor escolha, em vez de julgar.
27 agosto, 2020
TRANSIÇÕES
Lembro que minha mãe achava graça e, como que para comprovar e se divertir com meu impulso inconsciente, me chamava, fazendo sugestões para alguma outra distração, mas a atração pela posto de prontidão era invencível; eu sempre voltava para o mesmo lugar e continuava esperando por meu pai.
É engraçado falar sobre isso hoje, pois o tempo foi orquestrando mudanças nessa admiração, através de acontecimentos desagradáveis que começaram a surgir no meio do caminho. Ou talvez já estivessem presentes, de uma forma ou de outra, mas eu não me dera conta disso, senão mais tarde, quando tive maturidade suficiente para perceber que alguma coisa estava errada. O fato, que ficou cada vez mais claro com o tempo, desde quando comecei a perceber a existência de alguma discrepância nos relacionamentos, é que não era nada as mil maravilhas que uma criança imagina. As diferenças, as dores, os erros, as mágoas... Tudo isso começou a ganhar uma dimensão cada vez maior à minha percepção e o cinza foi tomando o lugar da cores, enquanto eu despertava ara a realidade de que meus pais não eram apenas imperfeitos, mas tinham coisas muito ruins, sobretudo meu pai. Sei que parece ingratidão falar sobre isso, ainda mais por eu não ter sofrido uma vida de violências e carências extremas, muito pelo contrário, tive uma vida até boa neste sentido, mas a questão é que existem outras sutilezas capazes de nos arrastar lentamente para uma desilusão que estava longe de ser produtiva e fortalecedora. Algo me incomodava muito e cada vez mais, tornando-se um ponto em desequilíbrio nervoso, uma raiva inconsciente e a qual não conseguia explicar.
O tempo passou e fiquei mais velho, vindo a presenciar incongruências e até situações absurdas e de extrema ingratidão entre meus pais e que acabaram levando minha mãe a tentar o suicídio, tomando uma quase overdose de calmantes. É importante falar sobre isso, pois essa foi a facada derradeira, que me distanciou de vez de meu pai. A partir deste acontecimento, uma traição sem razão, logo após ele mesmo ter passado por uma depressão avassaladora, onde minha mãe tinha sido heroicamente o pilar de tudo, já que ele estava praticamente ausente, sem a menor possibilidade de conduzir a família. Depois de tudo que minha mãe suportou e fez por nós e, principalmente, por ele, a atitude inesperada e ingrata da traição foi o veneno pior, da qual uma família dificilmente consegue sobreviver. Apesar de a família seguir em frente, jamais foi a mesma e as relações esfriaram ainda mais. A conveniência social impediu que se desse o golpe de misericórdia. Depois disso, minha mãe entrou num quadro de saúde cada vez mais decadente, que acabou culminando numa série de acidentes vasculares cerebrais e, consequentemente, sua morte anos mais tarde. Essa morte foi o corte definitivo nas ligações que ainda poderiam existir entre ele e eu. Ela ter morrido foi um grande alívio para mim, pois jamais fui de grandes demonstrações emotivas, mas, por dentro, eu sofria demais em vê-la do jeito que estava ano após ano, em decadência contínua e cada vez mais mergulhada demência, que a meu ver, era física, enquanto lá dentro o espírito sofria omo numa masmorra. Eu via isso. Eu sentia isso. E a impossibilidade de mudar este quadro, de ajudá-la de alguma forma, sempre me obsediava impiedosamente.
Não morávamos mais juntos nesta época e eu seguia uma caminho totalmente diferente de antes, acentuando ainda mais a distância. E como ele nunca foi de falar muito comigo, esquecendo inclusive o dia de meu aniversário, entre outras coisas, o silêncio tornou-se uma muralha raras vezes vencida por alguma ocasião, que jamais pude chamar prazerosa.
Antes sentia-me culpado, afinal era meu pai, mas, com o tempo, o desapego foi eliminando a culpa. Afinal, somos seres em experiência própria e insubstituível, onde os passos na estrada são marcados pela solidão. Compartilhar este caminho, em alguns momentos - longos ou curtos - com algumas pessoas jamais será compartilhar a experiência interna e eu fui aprendendo isso aos poucos, quando decidi que não iria mais ficar lamentando decisões e situações passadas, que serviram apenas para aprendizado e crescimento. Elas não existiram para que erigíssemos totens ou estátuas eternas a nos assombrarem com um passado insistentemente presente. Somos todos peregrinos de nós próprios e a forma como trilhamos este caminho, como absorvemos o (auto)conhecimento e como o utilizamos nas relações com as outras pessoas é que definirá o que nos esperará no próximo porto.
Que ele siga seu próprio caminho.