13 julho, 2021

A Manhã Fria

 O caminhar inexorável dos anos tem se revelado um peso e um alívio. Enquanto a cada passo na areia exige-se maior esforço para puxar o pé no intento de um novo passo, mais o coração se liberta dos convencionalismos sociais escravizantes de uma vida ordinária em meio à sociedade.

A luz ofuscante do sol da manhã fere levemente os olhos ainda acostumados à noite de sono, mas o dia não se importa e precisa seguir em frente, independente de nossa vontade, de nossas ideias. Enquanto os pássaros cantam uma alegria que não é a minha e ainda me falta explicação sensata, vou atravessando lentamente o jardim e buscando contraditoriamente o calor do sol, o mesmo que me fere os olhos, nesta manhã fria de inverno.

O passado teimosamente insiste em me visitar, mas não tenho pensamentos para ele agora e prefiro as trivialidades mais ao alcance do tempo presente, apesar de aparentemente sem atrativos que me seduzam, a não ser pela necessidade do calor solar.

O céu está absurda e profundamente azul e promete um calor que o dia não poderá certamente cumprir; o inverno impõe sua hegemonia de direito e, aceitemos ou não, é o que há para vivenciar, independente de nossa revolta raquítica e insuficiente. Mas eu gosto do inverno. Ele não é o portador de falsas promessas de supostas delícias, como o verão que anuncia um tempo de alegria, enquanto sufocamos e esvaímo-nos em insuportáveis quarenta e cinco graus de loucura torturante. O inverno me ajuda a lembrar que somos fortes, mas nem tanto e, por isso mesmo, somos mais humanos e menos pretenciosos.

Olho para o fundo limoso da piscina, que pede por uma limpeza que não virá tão cedo. Algumas folhas boiam e outras jazem na profundidade, um vislumbre metafórico quase piegas da morte, que já não me assusta há muitos anos. Sua força é um mito alimentado pelo medo dos ignorantes e covardes. Apesar de reconhecer minha covardia óbvia e denúncia de minha lamentável fraqueza, da morte só reconheço uma passagem necessária, enquanto os idiotas esperam medrosa e contraditoriamente a resolução de tudo.

Sento na cadeira de praia e, como a carne morta numa grelha, me exponho ao calor quase sutil dessa manhã sem sentido e dispensável, não fosse a impossibilidade de recusar o dia que se há de viver, independente de minha vontade desimportante.

O tempo consome as horas lentamente, enquanto o sol sorrateiramente aumenta sua fome sobre mim, aproveitando-se de minha ânsia por calor; um estratagema que esconde em suas camadas sutis, os furtivos limites entre vida e morte. E não fosse o reclame do corpo diante do inevitável desconforto que beira o exagero, o tênue limite se tornaria o arauto evidente do ocaso humano, a despedida silenciosa, o final da comédia.

Mas sigo ao sol, enquanto me entrego a um dos poucos prazeres que me restam, que seja os poucos minutos de calor nesta manhã fria, antes que o desconforto me leve a praguejar aquele que antes me ofertava prazer.

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