12 setembro, 2022

E Continuam Caçando Bruxas... (Sobre Ser/Agir Diferente)

 

Fotografia de Rui Veiga
Às vezes, apesar de minha tranquilidade (aparente), tenho vontade de transgredir e revolucionar tudo, fazendo algo totalmente inesperado e que muita gente acreditaria que seria praticamente impossível que eu fizesse. Às vezes realmente faço e as pessoas se dividem comicamente em dois grupos, os assustados e os críticos. De um momento a outro, uns passam do primeiro grupo para o outro; bem previsível, após passar o susto provocado pela surpresa do inesperado. As palavras se levantam no ar como impiedosas flechas ou permanecem as carrancas estampadas, como a quererem espantar os maus espíritos, exatamente como suas similares nas portas das casas nos costumes antigos de algumas regiões do Brasil. 

Mas, apesar de toda a comoção, se é que posso usar este termo, a bem da verdade, não imagino porque eu teria que corresponder às expectativas dos outros, coisa que só diz respeito a cada um que se atreve  a usar deste artifício pouco útil. Como diz o velho adágio popular, o que eu faço da minha vida, só diz respeito a mim e NÃO DEVERIA dizer respeito a ninguém; porém, vivemos numa sociedade onde as pessoas foram acostumadas a reagirem como se a vida alheia lhes dissesse respeito e, alguns, sentem-se profundamente ofendidos, se alguém resolve pensar ou agir diametralmente diferente do que eles (ou a sociedade) estabelecem como padrão, ou seja, o supostamente certo.

Não foram raras as vezes em que me vi numa posição curiosamente hostil e me senti até envergonhado, para depois, aos poucos, começar a perceber que a opinião dos outros pouco ou nada tinha de importância em relação às minhas escolhas e na forma em que eu decidia viver. Desde que eu não estivesse de fato prejudicando ninguém, qualquer argumento em contrário não passa de falácia e intrometimento de alguém (ou alguéns) que se acha no direito de ser o juiz que vai pautar o que é certo ou errado na vida de quem vive dentro desta sociedade.

No passado, nas gerações anteriores à minha, a coisa era ainda pior e as pessoas que ousassem "escandalizar" a suposta moral vigente, era inevitavelmente colocada à margem da sociedade e tornava-se difícil mesmo conseguir viver, pois todas as facilidades (que já eram poucas) lhes eram tiradas, pois ela se tornara pessoa "marginal". Alguma semelhança à infame e desumana cultura do cancelamento de nossos dias? Pois é. Não só diz-se que as gerações atuais tem o costume de ressuscitar os costumes de das duas décadas (ou mais) anteriores, como isso já foi provado por estudos comportamentais realizados e dezenas de matérias a respeito publicadas; o problema é que nem sempre são ressuscitados bons costumes, mas também antigos vícios, alguns bem execráveis e inadmissíveis ao progresso humano em direção a um ideal humanitário e fraternal, onde busca-se atingir um mundo melhor, com relações saudáveis tanto para conosco, humanos, quanto para com os demais seres com os quais dividimos a vida neste planetinha azul.

Mas onde estaria a falha? Seria um erro de avaliação e bom censo? Mas isso não estaria ligado ao próprio interesse individual humano em buscar realmente se melhorar e eliminar de si os próprio equívocos inerentes e interferentes em seus, não só julgamentos, mas comportamento e pensamentos?

Na Bíblia se fala de "pecados", mas tirando toda sorte de religionisses, que só trouxeram mais problemas para a epopeia humana, do que benefícios, provavelmente sempre nos tenhamos equivocado em saber o verdadeiro sentido e dimensão que se buscou atingir com a escolha desta palavra. Ao invés de pensarmos de forma tão rasa, deveríamos atentar que, talvez, se buscasse dizer, pura e simplesmente, que devemos eliminar de nós o péssimo costume de querer estabelecer padrões muito particulares e baseados em critérios provavelmente muito duvidosos para pautar a vida do semelhante, posto que este, a meu ver, tem sido o maior mal do ser humano. Em toda a história, não fizemos mais do que condenar o outro pelo que supostamente deveria ser o certo e, muitas vezes, distorcendo os fatos ou omitindo-os, vaticinamos que este suposto mal deva ser eliminado da face da terra, custe o que custar, quase sempre cometendo as maiores atrocidades em escala global, em um processo de guerras consecutivas e sem fim. E pensar que isso começa com um supostamente inocente julgamento em relação à decisão de outra pessoa, que escolhe mudar e fazer algo diferente de/em sua vida.

Talvez, o problema do ser humano não seja o ego, mas o egocentrismo, a egolatria, o egoísmo. Mudar o foco para uma possibilidade mais coletiva e em expansão constante pode ser o único caminho da "salvação" de uma sociedade aos trancos e barrancos faz tempo e que muitos consideram em claro declínio e cujo destino pode ser derradeiro, caso não consigamos virar esta chave tão necessária.

Tudo isso é um bom ponto, creio eu, para ser não só refletido e paralisado na reflexão, mas que trazido para o dia à dia os seus bons resultados; e que resolvamos também mudar nosso modus operandi, para uma vida de relacionamentos mais respeitosos e, obviamente, mais saudáveis. 

Mudar, finalmente, pode ser a melhor escolha, em vez de julgar.

24 agosto, 2022

Nossos Caminhos Estranhos

A gente caminha, muitas vezes, por caminhos estranhos, cujos destinos não se tornam muito claros até que estejam debaixo de nosso nariz. E nem sempre estes caminhos levam a conclusões muito agradáveis. Talvez seja mais honesto dizer que quase nunca. 

Nossos sonhos são os motivadores de nossos passos inseguros e incertos, mas quantas vezes nos conduziram a algum tipo de felicidade? Evitamos a sinceridade dessa resposta, porque morremos de medo de perder a fé em nossos sonhos. É, somos covardes contumazes e nos alimentamos dessa pseudo-ignorância, uma auto obnubilação conveniente, para que não tenhamos que lidar diretamente com a realidade, que nos parece tão cruel e verdadeiramente impiedosa. Talvez o seja, mas é aos olhos da sociedade; a realidade em si é inexpugnável, indecifrável e inalcançável; somente podemos possui-la através de seus fragmentos e pontos de vista limitados. Somos insuficientes, incapazes, sensorialmente limitados. Ainda assim, fazemos bravatas como donos da verdade em muitas ocasiões; fanfarronice descabida de egocêntricos babacas.

Caminhamos embevecidos por entre os avanços tecnológicos, como se isso representasse nossa própria evolução humana, que, na verdade, pouco aconteceu; somos bárbaros hightech espreitando a primeira cutucada, para levantarmos mais uma vez nossas clavas e explodir os crânios de nossos desafetos, seja de forma metafórica ou mesmo literal. Pouco nos conhecemos, pouco nos controlamos, pouco humanizados. Os instintos ainda nos arrastam e tudo pelo qual lutamos tem como pano de fundo o poder, o prazer e o sexo. Absolutamente tudo. Seja evidentemente, seja disfarçadamente, com mil e um disfarces sociais, porque afinal, há de se garantir a máscara; a máscara é tudo. Ela é tão importante para nossa miserável existência, que avolumamos dezenas e dezenas delas, cujas trocas frequentes acontecem a todo instante, dia após dia, de acordo com a conveniência, de forma a mantermos nosso teatro grotesco de falsas verdades, verdadeiras mentiras travestidas e oportunas.

E nossos caminhos estranhos se prolongam tanto quanto se prolonga nossa falsidade e continuamos na desfaçatez do risco do cego que não quer ver, até que a própria vida nos dobre dolorosamente, de um jeito insuportável e inescapável.

16 maio, 2022

A Arte e a Barbárie nestes Brasis

 Ser ator no Brasil ainda significa estar disposto a lidar com uma quantidade enorme de consequências da falta de uma educação avançada e uma valorização real da cultura, que infelizmente mantém a maioria popular num limbo de preconceitos, conhecimento raso e, obviamente, falta de respeito, enquanto vítima da armadilha da mitificação da profissão. Haveria como ser diferente? A resposta é óbvia: claro que sim. No entanto, a estrutura social brasileira é tão frágil e calcada ainda num jogo desumano de capataz e serviçal, um bom figurino para disfarçar a mesma relação senhor de engenho e escravo de tempos idos (?), que se torna impossível esperar que a maior parte da população consiga de fato avaliar corretamente a importância da Arte e de outras profissões, não necessariamente da área artística, muito embora a Arte esteja em praticamente tudo em nossas vidas.

O que esperar do futuro do eterno país do futuro, que mais parece sem futuro, diante da falta de uma valorização real das aptidões das pessoas em seu processos individuais de educação, quando a própria educação, cujo princípio e proposta é até boa, mas foi sucateada pela corrupção tão vil que assola o Brasil desde sempre, não está voltada para o indivíduo e suas aptidões particulares?

É preciso que se humanize a educação, senão a maior parte de nós continuará no fundo deste abismo sombrio, olhando para cima, para os poucos bem-educados e cultos, uns se considerando quase deuses e outros presos ao complexo das impossibilidades; tudo isso parte de um espetáculo torpe, que mimetiza a real condição em que todos inebriadamente se encontram, num país eternamente de farrapos educacionais, institucionais, culturais e sociais, que vive o carnaval de que tudo está bem e - pior! - que se é o suprassumo da raça humana, muito embora se busque valorizar tudo que venha de fora, menos o que realmente vale a pena de ser copiado.

O Brasil é refém de si mesmo, de suas próprias armadilhas orgânicas, onde se deita em berço esplêndido, não necessariamente confortável, mas eternamente atado à preguiça de se fazer diferente, de se reformar, consertando seus defeitos, sempre calcado no indesviável humanismo e valorizando de verdade as tantas qualidades reais e preciosidades naturais que tem. 

Agora, essas e quaisquer outras mudanças na estrutura social só vão acontecer, quando cada indivíduo se responsabilizar e se dedicar em promover esta mudança em si e em seus próprios conceitos, padrões e paradigmas. A estrutura não muda, se a base - os indivíduos que a compõem - não mudar antes. Não existe milagre e nada vai mudar, se as pessoas que compõem a sociedade permanecerem escravas de (pre)conceitos e paradigmas inúteis, que não promovem um avanço em direção à empatia e a busca de uma vida melhor para todos.

E qual a importância do ator, assim como da própria Arte em si mesma, nesse processo? Ela é a "entidade", a vertente criativa, que nos mostra outros pontos de vista, que nos oferece a possibilidade de expandir nossas percepções, de entender melhor o quadro geral. A Arte nos convida a ir além de nosso diminuto e insuficiente ponto de vista diante da realidade, realidade essa, cuja abrangência é sempre maior do que podemos imaginar. Ir além de nossas próprias e costumeiras concepções, nos permitir entender essa crescente abrangência dentro de nossa capacidade também crescente de percepção, é a chave para continuarmos a crescer, a evoluir nesse processo o qual denominamos Vida.

Uma noite dessas...

 E a noite adentra em si mesma, nos rebocando à revelia, através de seu leito de suspensão da razão; um descanso das elucubrações e preocupações adereçadas de nossas inúmeras mesquinharias, bem naturais à nossa personalidade egocêntrica.

Do Desânimo do Escritor

 Eu estava me sentindo desanimado para escrever, quando percebi que essa sensação, essa predisposição, tem sido promovido pelo meio editorial brasileiro. É triste como a coisa funciona de forma absurda e como uma rua sem saída - não aceitam receber seu manuscrito e mandam você arrumar um agente literário, que por sua parte, não quer te agenciar, porque você não é um escritor renomado, então nem se dá ao trabalho de ler o material para ver se é bom e merece ser defendido; ou mercado que te absorve de forma supostamente benevolente, com o tempo revela-se de forma friamente desonesta. Daí, resolvi que não deixaria essa latrina toda influenciar na minha pena ou minha vontade de trabalhar as letras e minhas histórias. Minha escrita é mais do que arte; é clara resistência. Mas, então, Arte, entre outras coisas, não é óbvia resistência a aceitar apenas a realidade insensível e formatada (muitas vezes desumana e violenta!)? Então, não estou fazendo nada do que já não fazia, apenas que com mais consciência, determinação e autenticidade.

13 julho, 2021

A Manhã Fria

 O caminhar inexorável dos anos tem se revelado um peso e um alívio. Enquanto a cada passo na areia exige-se maior esforço para puxar o pé no intento de um novo passo, mais o coração se liberta dos convencionalismos sociais escravizantes de uma vida ordinária em meio à sociedade.

A luz ofuscante do sol da manhã fere levemente os olhos ainda acostumados à noite de sono, mas o dia não se importa e precisa seguir em frente, independente de nossa vontade, de nossas ideias. Enquanto os pássaros cantam uma alegria que não é a minha e ainda me falta explicação sensata, vou atravessando lentamente o jardim e buscando contraditoriamente o calor do sol, o mesmo que me fere os olhos, nesta manhã fria de inverno.

O passado teimosamente insiste em me visitar, mas não tenho pensamentos para ele agora e prefiro as trivialidades mais ao alcance do tempo presente, apesar de aparentemente sem atrativos que me seduzam, a não ser pela necessidade do calor solar.

O céu está absurda e profundamente azul e promete um calor que o dia não poderá certamente cumprir; o inverno impõe sua hegemonia de direito e, aceitemos ou não, é o que há para vivenciar, independente de nossa revolta raquítica e insuficiente. Mas eu gosto do inverno. Ele não é o portador de falsas promessas de supostas delícias, como o verão que anuncia um tempo de alegria, enquanto sufocamos e esvaímo-nos em insuportáveis quarenta e cinco graus de loucura torturante. O inverno me ajuda a lembrar que somos fortes, mas nem tanto e, por isso mesmo, somos mais humanos e menos pretenciosos.

Olho para o fundo limoso da piscina, que pede por uma limpeza que não virá tão cedo. Algumas folhas boiam e outras jazem na profundidade, um vislumbre metafórico quase piegas da morte, que já não me assusta há muitos anos. Sua força é um mito alimentado pelo medo dos ignorantes e covardes. Apesar de reconhecer minha covardia óbvia e denúncia de minha lamentável fraqueza, da morte só reconheço uma passagem necessária, enquanto os idiotas esperam medrosa e contraditoriamente a resolução de tudo.

Sento na cadeira de praia e, como a carne morta numa grelha, me exponho ao calor quase sutil dessa manhã sem sentido e dispensável, não fosse a impossibilidade de recusar o dia que se há de viver, independente de minha vontade desimportante.

O tempo consome as horas lentamente, enquanto o sol sorrateiramente aumenta sua fome sobre mim, aproveitando-se de minha ânsia por calor; um estratagema que esconde em suas camadas sutis, os furtivos limites entre vida e morte. E não fosse o reclame do corpo diante do inevitável desconforto que beira o exagero, o tênue limite se tornaria o arauto evidente do ocaso humano, a despedida silenciosa, o final da comédia.

Mas sigo ao sol, enquanto me entrego a um dos poucos prazeres que me restam, que seja os poucos minutos de calor nesta manhã fria, antes que o desconforto me leve a praguejar aquele que antes me ofertava prazer.

23 dezembro, 2020

O Próximo Passo Humano

Há aquele pequeno e intrínseco momento quase inidentificável, onde a mente fica em suspenso tentando concatenar ideias e palavras, para significar o que se nos apresenta. Um hiato atemporal, que nos arrasta pela eternidade de alguns segundos - talvez minutos. É exatamente quando e onde não somos nossas máscaras, onde o ego debate-se sem identidade, indefeso e inapto para abarcar o que a mente não alcança e não há palavras que se combinem, que se adequem, que consigam algum sentido, pois não é a região das palavras, é uma planície inexplorada e eterna esperando nossa inexorável rendição, que pode vir agora ou numa próxima qualquer ocasião, para que finalmente exista um significado inalcançável pela razão.
Este é o sentir.