Em algum momento de nossas vidas, todos tomamos contato com a história de Alice no País das Maravilhas, ou pelo menos partes da história, que foi transformada em um filme de desenho animado pela Disney em 1951, e que mais recentemente, em 2010, ganhou uma versão cinematográfica dirigida por Tim Burton.
Embora a história da menina que se aventura pela toca do coelho e encontra um mundo desconhecido e enigmático seja muito conhecida, alguns fatos por trás da história são um tanto sombrios.
O livro
Alice's Adventures in Wonderland, frequentemente abreviado para Alice in Wonderland (Alice no País das Maravilhas) é a obra mais conhecida de Charles Lutwidge Dodgson, publicada a 4 de julho de 1865 sob o pseudônimo de Lewis Carroll. É uma das obras mais célebres do gênero literário nonsense.
O livro conta a história de uma menina chamada Alice que cai numa toca de coelho que a transporta para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas, revelando uma lógica do absurdo e características dos sonhos. Este está repleto de alusões satíricas dirigidas tanto aos amigos como aos inimigos de Dodgson, de paródias a poemas populares infantis ingleses ensinados no século XIX e também de referências linguísticas e matemáticas frequentemente através de enigmas que contribuíram para a sua popularidade. É assim uma obra de difícil interpretação, pois contém dois livros num só texto: um para crianças e outro para adultos.
Este livro possui uma continuação Alice do Outro Lado do Espelho.
A origem da história
Charles Lutwidge Dodgson era um homem muito tímido, e gostava muito de crianças (apenas as do sexo feminino) e de lhes contar histórias. Lewis enquanto lecionava Matemática em Oxford conheceu Henry Liddell, pai de 3 meninas - Alice, Lorina e Edith. Ele acabou desenvolvendo uma amizade (será que era realmente amizade) pela menina Alice. Os pais da garota não viam problema nesse contato, algo que hoje em dia seria visto de outra forma – Dodgson tinha 31 anos, enquanto que Alice tinha apenas 7 anos de idade.
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As irmãs Liddell |
A 4 de 1862, durante um passeio de barco pelo rio Tâmisa, Charles Lutwidge Dodgson, na companhia do seu amigo Robinson Duckworth, conta uma história de improviso para entreter as três irmãs Liddell (Lorina Charlotte, Edith Mary e Alice Pleasance Liddell). Eram filhas de Henry George Liddell, o vice-chanceler da Universidade de Oxford e decano da Christ Church, bem como diretor da escola de Westminster. A maior parte das aventuras contidas no livro, foram baseadas e influenciadas em pessoas, situações e edifícios de Oxford e da Christ Church, por exemplo, o Buraco do Coelho (Rabbit Hole) simbolizava as escadas na parte de trás do salão principal na Christ Church. Acredita-se que uma escultura de um grifo e de um coelho presente na Catedral de Ripon, onde o pai de Dodgson foi um membro, forneceu também inspiração para o conto.
Essa história imprevista deu origem, a 26 de Novembro de 1864, ao manuscrito de Alice Debaixo da Terra (título original Alice's Adventures Under Ground) com a finalidade de oferecer a Alice Pleasance Liddell a história transcrita para o papel.
Mais tarde, influenciado tanto pelos seus amigos como pelo seu mentor George MacDonald (também escritor de literatura infantil), decidiu publicar o livro e mudou a versão original, aumentando de 18 mil palavras para 35 mil, acrescentando notavelmente as cenas do Gato de Cheshire e do Chapeleiro Louco (ou Chapeleiro Maluco).
Deste modo, a 4 de Julho de 1865 (precisamente três anos após contar a história para as meninas) a história de Dodgson foi publicada na forma como é conhecida hoje, com ilustrações de John Tenniel. Porém a tiragem inicial de dois mil exemplares foi removida das prateleiras devido a reclamações do ilustrador sobre a qualidade da impressão. A segunda tiragem, ostentando a data de 1866, ainda que tenha sido impressa em Dezembro de 1865, esgotou-se nas vendas rapidamente, tornando-se um grande sucesso, tendo sido lida por Oscar Wilde e pela rainha Vitória. Na vida do autor, o livro rendeu cerca de 180 mil cópias. Foi traduzida para mais de 125 línguas e só na língua inglesa teve mais de 100 edições.
Em 1998, a primeira impressão do livro (que fora rejeitada) foi leiloada por 1,5 milhão de dólares americanos.
Algumas impressões desta obra contêm tanto As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, como também a sua sequência Alice no Outro Lado do Espelho.
Simbolismo matemático na trama
O livro pode ser interpretado de várias maneiras. Uma das interpretações diz que a história representa a adolescência, com uma entrada súbita e inesperada (a queda na toca do coelho, iniciando a aventura), além das diversas mudanças de tamanho e a confusão que isso causa em Alice, ao ponto de ela dizer que não sabe mais quem é após tantas transformações (o que se identifica com a psicologia adolescente).
Como Dodgson era de fato professor de matemática na Christ Church, da Universidade de Cambridge é sugerida a existência de muitas referências e de conceitos matemáticos, tanto nesta obra, como na Alice no Outro Lado do Espelho. Confiram alguns exemplos abaixo:
- No capítulo 1, No Buraco do Coelho, durante o processo de encolhimento da altura, Alice faz considerações filosóficas acerca do tamanho final com que ficará, com receio de talvez acabar por desaparecer completamente, como uma vela. Esta observação reflete o conceito do limite de uma função (cálculo I).
- No capítulo 2, No Lago das Lágrimas, Alice tenta fazer multiplicações, mas acaba por produzir uns resultados estranhos: "Deixa-me cá ver: quatro vezes cinco são doze, e quatro vezes seis são treze, e quatro vezes sete são... Oh, meu Deus! Por este andar nunca mais chego aos vinte!". É assim exposta a representação de números utilizando bases diferentes e sistemas numerais posicionais (4 x 5 = 12 na base 18; 4 x 6 = 13 na base 21; 7 x 4 poderiam ser 14 na base 24, seguindo a sequência).
- No capítulo 5, Conselhos de Uma Lagarta, o Pombo afirma que as meninas são uma espécie de serpentes, pois ambos seres comem ovos. Esta observação é um conceito geral de abstração que ocorre frequentemente em diversos âmbitos da ciência; um exemplo da utilização deste raciocínio na matemática é a substituição de variáveis.
- No capítulo 7, O Chá dos Loucos, a Lebre de Março, o Chapeleiro Louco e o Arganaz dão vários exemplos em que o valor semântico de uma frase X não é o mesmo que o valor do inverso de X (por exemplo, Não é nada a mesma coisa!(...)Ora, nesse caso também podias dizer que "Vejo o que como" é a mesma coisa que "Como o que vejo"!); No ramo da lógica e da matemática este conceito é uma relação inversa.
- Também no capítulo 7, Alice pondera o significado da situação quando o grupo faz a rotação dos lugares ao redor da mesa circular, colocando-os de volta ao início. Esta é uma representação da adição de um anel do módulo inteiro de N.
- No capítulo 6 e 8, o Gato Cheshire desvanece , deixando apenas o seu sorriso largo, suspenso no ar, levando a Alice maravilhada ao notar que já viu um gato sem um sorriso, mas nunca um sorriso sem um gato. É feita aqui uma profunda abstração de vários conceitos matemáticos (geometria não-Euclidiana, álgebra abstrata, o início da lógica matemática, etc), delineando, através da relação entre o gato e o próprio sorriso, o próprio conceito de matemática e o número em si. Por exemplo, no lugar de considerar duas ou três maçãs, consideram-se antes os conceitos de dois e de três por si só, separados do conceito de maçã, como o sorriso que, aparentemente pertence ao gato original, é separado conceitualmente do resto do corpo físico.
Quem foi Charles Lutwidge Dodgson
Em 27 de janeiro de 1892, nascia Charles Lutwidge Dodgson, em uma tradicional e religiosa família britânica. Na escola, foi considerado brilhante – apesar de pouco disciplinado para os estudos.
Sua sensibilidade era traduzida em forma de arte. Mais especificamente, como fotografia e poesia. Em um tempo de poucas fontes de entretenimento, em que as casas ainda não tinham rádios ou televisões, Carroll era considerado uma excelente companhia, contando histórias, declamando poesia e cantando toleravelmente bem, apesar de algumas fontes afirmarem que ele era gago.
Foi assim que o rapaz aproximou-se de muitas famílias abastadas e importantes de seu tempo, criando excelentes conexões sociais.
Muitos biógrafos de Lewis Carroll retrataram o autor como pedófilo, apontando seu pouco interesse por mulheres adultas, e sua ligação emocional com garotinhas – bem como o hábito de fotografar meninas nuas ou seminuas.
Contudo, muitos autores modernos contestam essa versão, alegando que isso seria o chamado “mito Carroll”. De acordo com eles, Carroll envolveu-se com mulheres, o que teria levado, inclusive, a alguns escândalos. Sua família, após sua morte, teria ocultado todas as evidências de seus envolvimentos amorosos, para evitar desonrar seu nome – e essa falta de referências teria sido mal interpretada posteriormente por biógrafos.
Afirmam também que as fotos das crianças seria moda na Inglaterra do período vitoriano, sendo uma temática recorrente nas obras de diversos fotógrafos da época. Segundo esses pesquisadores, seria um equívoco interpretar as fotografias de Carroll fora de contexto, usando como parâmetro nossos valores dos séculos XX e XXI.
A musa inspiradora de Dodgson
Não é certo que Alice Liddell, a menina para quem Dodgson escreveu a sua mais famosa história, tenha inspirado a personagem Alice. Em vida, o próprio autor teria dito que não havia se inspirado em nenhuma criança real.
É claro que existem muitas ligações entre a Alice do livro e a do barco a remo. Para começar, as duas sagas de Alice passam-se em datas especiais: Alice no País das Maravilhas ocorre em 4 de maio (aniversário de Liddell) e Alice através do espelho se passa em 4 de novembro (exatos 6 meses após seu aniversário). Como se não bastasse, no segundo livro, a menina afirma que tem “precisamente sete anos e meio” – a idade que Alice real teria na época.
Carroll também dedicou ambos à pequena Alice, além de inserir, no final do segundo livro, um poema com uma mensagem especial – se juntarmos as primeiras letras de todos os versos, soletramos o nome completo de Liddell.
O relacionamento entre Dodgson e Alice Liddell
Há muita especulação – e controvérsia – sobre a natureza do relacionamento entre Carroll e Alice. Sabe-se que em junho de 1863 a amizade entre Carroll e a família Liddell rompeu-se de forma abrupta.
Curiosamente, a páginas do diário de Carroll correspondentes aos dias 27 a 29 de junho foram arrancadas e destruídas, assim como muitas outras páginas.
Acredita-se que o motivo para o afastamento entre Carroll e os Liddell estivesse nessas páginas, e por muito tempo popularizou-se a versão de que o autor teria pedido Alice, de apenas 11 anos, em casamento entre esses dias – o que teria levado os pais da menina a pedirem que ele deixasse sua filha em paz.
Outra teoria afirma que a mãe de Alice queimou cartas de Lewis Carroll, nas quais ele se despedia da menina com "10 milhões de beijos" e costumava pedir cachos de cabelos de presente para beijar.
Quando tinha oportunidade o escritor gostava de desenhar ou fotografar meninas seminuas, com a permissão da mãe. A maioria das fotos foram destruídas ou devolvidas, mas quatro ou cinco fotos ainda sobrevivem.
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A menina Evelyn Hatch, fotografada por Lewis Carroll, em 1878 |
Documentos descobertos pela biógrafa Karoline Leach mostram que Carroll talvez fosse tão simpático com Alice e suas irmãs porque estava interessado mesmo era na governanta da casa.
Mesmo com o rompimento de relações entre Dodgson e a família Liddell, o escritor enviou, via um amigo, um presente a Alice no dia do seu casamento, em 1880. Embora afastado da jovem, o escritor parecia acompanhar a jovem musa a distância. Talvez por causa da amizade impar que se desenvolveu entre ambos, ou pelos motivos mais sombrios revelados acima.
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Foto de Alice Liddell aos 18 anos |
Foto de Alice aos 80 anos de idade |
Uma Versão Psicológica da História de Alice
A história de Alice seria, na realidade, triste. Lembrem-se que os grandes contos de fadas são de outra época, a realidade era diferente e os valores extremamente conservadores. Então, ter uma filha esquizofrênica era considerado uma aberração, um crime. Os pais de Alice decidiram deixa-la em um sanatório e ela permanecia, na maior parte do tempo, dopada. Quando não estava sob efeito de remédios era violentada pelos funcionários. A menina tinha apenas 11 anos.
Cada um dos personagens e objetos da história, tem a ver com um desejo ou experiência de Alice.
O buraco pelo qual ela entra no País das Maravilhas, é, na verdade, uma janela de seu quarto, onde ficou presa durante toda a vida, pela qual ela desejava sair e conhecer o mundo à sua volta.
O coelho branco, para ela, representava o tempo. Aquele tempo que ela desejava que passasse logo, para que um dia ela pudesse sair daquele lugar. O tempo que ela via passar tão rápido, porém tão lento...
O Chapeleiro Maluco era outro interno, seu melhor amigo. Alguém que deixava sua vida no hospital menos amargurada, com quem criava várias teorias de como seria a vida lá fora. O rapaz, em realidade, sofria de Síndrome Bipolar, por isso a personalidade do Chapeleiro na história, o mostrava ora alegre, ora depressivo, ora calmo, ora irritado.
A Lebre, companheira do Chapeleiro, era a menina que dividia o quarto com ele. Ela sofria de depressão profunda, e todas as vezes que Alice teve contato com ela, encontrou-a num estado de terror e paranoia.
O gato de Cheshire: um dos enfermeiros, em quem Alice confiou, mas acabou por enganá-la e violenta-la. O sorriso do gato, aquele que é tão marcado, era na verdade o sorriso obscuro que seu agressor abria, cada vez que lhe abusava, e a deixava jogada em um canto de sua acomodação, derrotada, triste e ofuscada.
A Rainha de Copas: a diretora do sanatório. Uma mulher má e desprezível, que não sentia sequer um pingo de compaixão para com os enfermos que estavam sob seus cuidados. Era a favor da terapia de choque e da lobotomia, e por diversas vezes ordenava que os funcionários espancassem, sedassem e prendessem em jaulas os enfermos que apresentavam comportamento que não lhe agradavam.
A Rainha Branca: sua mãe, uma mulher nobre e terna, que sofreu na pele o preconceito de ter uma filha doente, tendo que abandonar a menina em um sanatório, e nunca mais voltar a vê-la. As vagas lembranças que Alice possuía, era de momentos com sua mãe, e o motivo dela pensar que o mundo fora dos muros do hospital era um lugar melhor, era saber que a mãe estava lá, em algum lugar, para lhe cuidar.
Os Naipes: enfermeiros do hospital, apenas seguindo ordens o dia inteiro.
A Lagarta Azul: sua terapeuta, aquela que lhe dava as respostas, que lhe explicava o que acontecia e com quem ela conversava.
Tweedledum e Tweedledee: gêmeos siameses órfãos, que também estavam no hospital. Embora não possuíssem nenhum problema mental que justificasse sua internação, a aparência que tinham era assustadora, por isso foram reclusos.
O Rei de Copas: o médico psiquiatra do hospital. Alguém com complexo de inferioridade, que era incapaz de se opor às ordens da diretora.
Os frascos “Coma-me” e “Beba-me”: as drogas que lhe davam. Por serem extremamente fortes, por várias vezes Alice tinha sensações diferentes e alucinações, bem como se tivesse encolhido ou aumentado de tamanho.
Tudo isso foi criado pela menina como se fosse um mundo paralelo. Uma realidade menos dolorosa daquela em que vivia. Ela já não podia suportar aquele local e tudo o que acontecia com ela ali dentro, então resolveu usar de sua imaginação infantil para amenizar a dor e o sofrimento. A irmã mais velha de Alice, é na verdade uma enfermeira do hospital, a quem a pequena era muito apegada. A enfermeira tinha um diário e nele anotava todas as histórias que Alice criava em sua mente. Todos os dias a enfermeira ia até o quarto da menina e ouvia seus desabafos e as aventuras que criava em sua mente. Sem deixar de anotar uma palavra sequer.
Infelizmente, Alice executa uma tentativa de fuga. Ela não obtém sucesso, e acaba detida pelos funcionários. A diretora furiosa, manda que espanquem a garota e apliquem a terapia de eletrochoque, para que nunca mais volte a se repetir. Após o castigo, Alice torna-se agressiva e violenta, ao ponto da diretora decidir que a única saída para ela, seria a lobotomia.
Alice viveu por muito tempo em um estado de “coma”. Ela nunca mais viveu, sorriu, tampouco falou. Devido a isso, teve seu corpo devastadoramente abusado, tanto, que acabou por ter hemorragia interna devido à violência empregada em um ato de estupro, e veio a falecer.
A enfermeira que escrevia suas histórias em um diário acabou por se afastar do sanatório, e Alice foi imortalizada como a menina sonhadora que viveu aventuras incríveis no País das Maravilhas.