27 maio, 2019

Reticências

As pupilas dilatadas no além,
Depois que estive lá duas vezes;
Olhei-me nu no espelho
Sobre a paisagem dos lençóis,
Enquanto Silencioso eco insistia
Nas lembranças alegres
Senti afeto ao me ver,
Porque olhava e não me via,
Apenas a cama grave
Cheia de reticências,
Indecências
E pedaços de dois;
O Tao perfeito,
Sem espaço,
Estreito.

Pausa Por Favor

Chão de terra é a bênção
Dos pés descalços de ideias
Descanso não senhor
Depois dos pontos e traçados
À beira da estrada da vida
Últimos suspiros em suspenso
Sob o céu repleto de estrelas
Não dormem os desejos
Mas apelam para o silêncio
Que a noite não trouxe.


Na Hora Mais Escura

As estrelas são as concierge da última saída,
Enquanto dançamos os últimos passos,
Antes de atravessarmos os portões
E voltarmos às novidades confortáveis
À luz extasiante que embriaga o dia
Dos sorridentes inocentes
Que nunca souberam de nós.


A História Original de ALADIM E A LÂMPADA MARAVILHOSA


Assim como aconteceu com várias fábulas antigas, que através dos séculos vieram sofrendo modificações e ganhando novas versões, também com a famosa história de Aladim não foi diferente.

Aqui trazemos o excepcional trabalho de pesquisa e análise feito pela extraordinária filosofa Lúcia Helena Galvão, da sociedade Nova Acrópole, que foi realmente fundo e agora nos brinda com este maravilhoso estudo, que só enriquece a bela história de Aladim e - ainda mais! - nos presenteia com este engrandecimento do espírito.

Vamos ao vídeo!


21 fevereiro, 2019

O Início do Despertar

Andava entre as sombras das folhas e das inúmeras dores do caminho, muitas vezes indiferente ao que se passava ao seu redor, porquanto estava fixado em seu objetivo. Mas a insistência do tempo trouxe a insegurança, o sutil esmorecimento de sua concentração, e seu olhar abriu-se para o mundo que o rodeava ao longo do caminho.

A óbvia e constante manifestação da natureza em flores, ervas e insetos falou-lhe em primeiro plano, seguida da humanidade despertante em seu coração, diante da presença, cada vez mais notada, de seus pares em sua vidas particulares; mesclas aparentemente descompensadas de sofrimento e alegria, que o deixou confuso e respeito de si próprio, pois inevitavelmente espelhara-se e vira-se em situação semelhante.

Este foi o princípio do despertar da sabedoria e a evidência da gestação do sábio que viria a nascer muito em breve; não sem as naturais dores do parto.


04 outubro, 2018

Memórias de Um Velho Futuro 2

Lembro da neve carregada pelo falante vento, quando o inverno batia a nossa porta, trazendo além do frio, uma poesia estranha, que emaranhada nos pequenos cristais, cintilava seus versos em nossas vidas. Era uma trilha estranha a musicar um tempo que não parecia tempo. Olhávamos pela janela e qualquer instante perpetuava-se, sem que pudéssemos saber quanto tempo realmente passara nesta contemplação. Fazíamos nosso próprio tempo e mundo era nossa pequena casa, numa rua que acabava na entrada da floresta; prelúdio da montanha sagrada de nossos sonhos de uma vida, de nossas fantasias infantis decoradas de lendas e histórias, que tomávamos como verdades absolutas e desejávamos fazer parte.

O tempo passou, apesar de nunca nos importarmos com ele. A sagrada montanha coberta com seu manto de neve quase eterno permanece lá fora, como se nos observasse em sua imortalidade aparente. A rua não parece a mesma de antes. Hoje está cheia de pequenas casas modernas, de linhas arrojadas e sem poesia alguma. Triste. Apenas nossa casa permanece tal qual como sempre fora. Importunaram-nos anos seguidos com o futuro e sua insistência em tentar apagar de nossas lembranças a poesia das formas. Relutamos o quanto pudemos e fomos fortes o bastante, para que, finalmente, nos deixassem em paz. Então, assim preservamos não só a história, mas a poesia que poucos têm olhos para ver. 

Tristes tempos estes, onde tudo parece preceder até mesmo o imediatismo. Máquinas substituem todos os trabalhos pesados e os homens apenas se divertem. Talvez alguns valores tenham se perdido entre peças, engrenagens e mudanças. Mas quem realmente se importa? São pessoas deste tempo, cuja razão tão diferenciada burla a si mesma entre distrações e constante prazer. Os rostos que pareciam alegres, apesar das dificuldades e agruras até certo ponto, necessárias, agora parecem máscaras tão frias quanto as máscaras dos robôs que circulam agora por avenidas, em suas formas humanizadas e sua pele de uma mistura artificial de látex com outras tantas coisas que não fazem parte de minha instrução.

Eva me traz uma caneca de chocolate quente. Sinto o cheiro antes mesmo de ela entrar na sala. Tem sido difícil conseguir chocolate de verdade, depois das regras restritivas de saúde, onde apenas frutas são o que de natural permanecem sendo primordial à alimentação. Já não é correto alimentar-se de coisas condimentadas, posto que se saiba hoje, o mal que fazem ao perfeito funcionamento do organismo humano. Ah! Mais com os Diabos! Um chocolate quente não há de fazer tão mal, que não se possa degustá-lo nos dias frios. O radicalismo alimentar matou boa parte dos prazeres que a vida nos oferecia. É claro que existem alternativas artificiais, hoje perfeitamente seguras e que vem substituir os produtos condimentados cheios de conservantes, mas para mim, homem de tempos poéticos e românticos, estas coisas são apenas papel com sabor. 

É, eu sei. Pareço ridículo. Sinto-me ridículo, a bem-dizer da verdade. Mas sou um homem de opinião. Não gosto de ser tratado como gado. 

Está certo. No fundo também não passo de um radical, como qualquer outro “moderninho”. É verdade. Reluto à modernização da sociedade. Mas fazer o que? O progresso é inexorável e tenho que me acostumar.

Pobre Eva. Sempre suportando minhas reclamações silenciosas com um lindo sorriso, que me faz sentir-me novamente uma criança tola. O último herói da resistência à coisa nenhuma. Um pobre bobão que não tem mais do que reclamar e fica buscando colocar chifres em cabeça cavalo. A verdade é que luto contra mim próprio. Sou um ser humano complexo e cheio de birra com coisa nenhuma e com tudo ao mesmo tempo.

Sorvo um pequeno gole do chocolate e respiro fundo. O calor desce pelo peito e, como num passe de mágica, espalha-se por todo o corpo. Adoro chocolate quente.

Tomo mais um gole e resolvo descer para o laboratório. Preciso voltar a desenvolver o novo processador de singularidade quântica. Sinto que não estou longe de descobrir a camada de identificação de vetores de espaço-tempo. Talvez mais alguns ajustes e consiga encontrar a mim mesmo no final da esquina.

Dou uma tímida gargalhada ao pensar que, apesar de toda minha postura ranzinza e minha birra, sou um cientista que todos consideram brilhante e que está a ponto de revolucionar o meio de transporte não só na Terra, mas para outros rincões do universo. Paradoxal. Mas enfim, não faço o tipo estereótipo do cientista. Eu acho...


Memórias de Um Velho Futuro

Por quantos anos os sonhos perduraram, atravessando desafiadoramente nuvens e hálitos de dias funestos? Quantas palavras, dissertações e silenciosos olhares eternizaram a perfeita cumplicidade inigualável e absoluta? Quantos desejos não foram apaziguados na cama perfeita, nas luzes de dias perfeitos, na companhia simples e perfeita? 

Os anos passam rápidos e, de repente, abrimos os olhos e mais nada parece como antes, como se o tempo voasse além de nosso alcance no ínfimo fechar e abrir de pálpebras. E a inevitável certeza do agora que logo passa, é o que resta para nos trazer de volta a solidão imposta, como se a felicidade tivesse que ser compensada com o isolamento de tudo quanto foi o mais importante.

A despedida não é algo fácil, mas a aceitação de seguir em frente é a pior dor de todas, quando se segue então sozinho.

Faz dez anos que ela se foi e, ainda assim, permanece a dificuldade de aceitar o eco de sua voz, como um suspiro sutil, que parece passear por todos os cômodos da velha casa, explorando possibilidades de trazer de volta o passado, quando em realidade é apenas um reflexo de lembrança que escapa à sanidade e resvala pela mente distraída, dando a impressão da atemporalidade, como se nada tivesse mudado, fazendo-nos esquecer a realidade presente e reviver o amor tão vivaz quanto a realidade do passado que se foi.

A casa já não tem a vivacidade de antes. Os móveis continuam nos mesmos lugares, mas já não se tem forças para subir as velhas escadas em caracol, que leva até a suíte de tantos sonhos, tantos momentos inesquecíveis. Melhor assim. Já é bastante difícil conviver com as muitas lembranças que o resto da casa amotina-se contra mim. 

O tempo passou e muita coisa mudou nestes dez anos. O velho carro continua na garagem, sem utilidade. Um bibelô, uma lembrança dos tempos de motores a explosão e a necessidade de veículos para se transportar de um lugar a outro. Os tempos são outros. As ruas são dos pedestres que vejo através das vidraças empoeiradas, quando me animo a olhar para o mundo lá fora. Com o advento dos portais interdimensionais, qualquer outro meio de transporte ficara obsoleto. Apenas eu permaneço aqui, isolado do presente, numa vã tentativa de perpetuar o passado, em nome de um amor que teima em não morrer. Talvez só minha morte possa devorar a ânsia inesgotável deste sentimento que perdura, que insiste em me acompanhar. Oh! Como leviano me tornei. Rio de minhas próprias lamentações, quando meu único desejo é manter esta chama dentro de mim indefinidamente, posto que sua luz ilumina o que me resta de sã consciência. Como me fazes falta, minha querida...