06 outubro, 2015

Memórias de Um Velho Futuro - Prólogo


Prólogo

Por quantos anos os sonhos perduraram, atravessando desafiadoramente nuvens e hálitos de dias funestos? Quantas palavras, dissertações e silenciosos olhares eternizaram a perfeita cumplicidade inigualável e absoluta? Quantos desejos não foram apaziguados na cama perfeita, nas luzes de dias perfeitos, na companhia simples e perfeita? 

Os anos passam rápidos e, de repente, abrimos os olhos e mais nada parece como antes, como se o tempo voasse além de nosso alcance no ínfimo fechar e abrir de pálpebras. E a inevitável certeza do agora que logo passa é o que resta para nos trazer de volta a solidão imposta, como se a felicidade tivesse que ser compensada com o isolamento de tudo quanto foi o mais importante.

A despedida não é algo fácil, mas a aceitação de seguir em frente é a pior dor de todas, quando se segue então sozinho.

Faz dez anos que ela se foi e, ainda assim, permanece a dificuldade de aceitar o eco de sua voz, como um suspiro sutil que parece passear por todos os cômodos da velha casa, explorando possibilidades de trazer de volta o passado, quando em realidade é apenas um reflexo de lembrança que escapa à sanidade e resvala pela mente distraída, dando a impressão da atemporalidade, como se nada tivesse mudado, fazendo-nos esquecer a realidade presente e reviver o amor tão vivaz quanto a realidade do passado que se foi.

A casa já não tem a vivacidade de antes. Os móveis continuam nos mesmos lugares, mas já não se tem forças para subir as velhas escadas em caracol que leva até a suíte de tantos sonhos, tantos momentos inesquecíveis. Melhor assim. Já é bastante difícil conviver com as muitas lembranças que o resto da casa amotina-se contra mim. 

O tempo passou e muita coisa mudou nestes dez anos. O velho carro continua na garagem, sem utilidade. Um bibelô, uma lembrança dos tempos de motores a explosão e a necessidade de veículos para se transportar de um lugar a outro. Os tempos são outros. As ruas são dos pedestres que vejo através das vidraças empoeiradas, quando me animo a olhar para o mundo lá fora. Com o advento dos portais interdimensionais, qualquer outro meio de transporte ficara obsoleto. Apenas eu permaneço aqui, isolado do presente, numa vã tentativa de perpetuar o passado, em nome de um amor que teima em não morrer. Talvez só minha morte possa devorar a ânsia inesgotável deste sentimento que perdura, que insiste em me acompanhar. Oh! Como leviano me tornei. Rio de minhas próprias lamentações, quando meu único desejo é manter esta chama dentro de mim indefinidamente, posto que sua luz ilumina o que me resta de sã consciência. 

Como me fazes falta, minha querida...

Memórias de um Velho Futuro
Uma novela de Alexander Zimmer

Jardim Solitário


Ainda me resta um suspiro;
Um fragmento de orgulho doentio
Coercivo desejo de saber nada
Deixa-se levar por esse rio.

Às vezes corro como uma criança
Em direção ao fogo da vaidade
Espelhos se quebram em mil partes
Cego-me destas lembranças sem saudade.

Observo as libélulas no jardim;
Ternos dragões alados sorvendo lentamente
Em seu pulular quase inocente
Pequenos fragmentos de minha razão inconsistente.

Vou mergulhando aos poucos
No mar de sol sereno e causticante
Transporte suave doce etílico
Procurando esquecer de mim próprio por um instante.

Rezo por um segundo
Oração estranha e sem sentido
E já nem sei se quero saber
Ou permanecer perdido.

Alexander Zimmer
RJ, 12/08/2012


Memórias d'O Tablado: Depois das férias

Lembro de certa vez, quando acabaram as férias e retornamos para o segundo ano de aulas no O Tablado. Cheguei mais cedo, deixei minha mochila num dos acentos e subi ao palco. Não havia ninguém lá, além de mim. Olhei ao redor, a bancada, as luzes, a coxia, a platéia... Uma sensação de certa felicidade, de satisfação por estar matando uma saudade espalhava-se por cada célula de meu corpo.

Dei alguns passos, senti o cheio de lugar antigo. Todos os anos de aventuras, músicas, estórias estavam comprimidos naquele lugar, cada um na sua dimensão própria de tempo, coabitando naquele mesmo espaço, num eterno apresentar-se, entre mundos e consecutivamente.

Então, chegou um colega de turma. Não lembro-me muito bem quem era... acho que era o Leandro Hassun. Ele percebeu de cara o que se passava comigo e soltou um comentário que virou a descrição perfeita do que aquele lugar especial estava se tornando para mim: - É bom voltar pra casa, né? 

Fiquei surpreso de uma forma diferente, como quem descobre aquela palavra que estava tentando lembrar, para descrever algo. A sensação de ver-se compreendido e de compreender a si próprio.

Pronto! Esse momento acabara de se tornar um ponto inesquecível de minha memória e que levarei comigo, como quem acaricia um bebê nos braços e, ao mesmo tempo, é acariciado por alguém que ama. Um ponto na minha história, onde lembro-me que sou um pouco mais humano.