Eu devia ter por volta de nove ou dez anos, mas já tinha essa mente fértil ou dada a viagens mirabolantes, como um prelúdio de que me tornaria escritor ou qualquer outra coisa que necessitasse de uma mente criativa e sem amarras, que nunca tivera medo de criar e viver seus mundos, embora os reservasse ao particular, com receio da dureza das outras pessoas. Minha avó alimentava isso. Como boa descendente de irlandeses, a mitologia e a magia daquelas terras fluiam pelo seu sangue, transbordavam por seus movimentos e insinuavam-se através de seu olhar sempre vivaz e cheio de mistérios, que tanto me fascinavam e confortavam, quando eu desejava ser apenas eu mesmo, sem as pseudo regras de uma sociedade cada vez mais atolada na brutalidade de um mundo fabricado por medos e dominância.
Eu andava por aquelas ruas e caminhos quase naturais, encontrava trilhas diferentes e, embora fosse uma cidade, sempre fora uma cidade repleta recantos interessantes, se é que essa seria a melhor forma de classificá-los, quando 'recantos' parece tão simplista e tão inapropriadamente insuficiente. Toda a arquitetura de Cotswolds tinha algo que me remetiam aos livros, um toque especial de algo sutil, segredos furtivos de lugares e momentos atemporais, como portais para outras dimensões e mundos insuspeitados. E eu fantasiava com fadas escondidas em moitas, que me observavam curiosas; fantasiava com passagens secretas de gnomos disfarçadas embaixo de pedras musguentas ou em pequenos e obscuros vão nos velhos carvalhos.
Eu passava minhas férias de inverno nesse lugar mágico, do qual me lembro sempre com muito carinho e um impossível desejar de que um dia retorne; mas será que ele não tem exatamente o poder de retornar sempre que relembro alguns desses momentos de minha infância distante?
Hoje sou um escritor brasileiro, porque, afinal, brasileiro sou, porém há em minhas veias o velho sangue, com toda sua herança mitológica; minha alma permanece repleta das brumas e sonhos saturados de magia antiga, que inevitavelmente verto em minha escrita, em minhas histórias, que nem sempre são previsivelmente compreendidas, e permanecem nas entrelinhas, aguardando a personalidade certa, o insólito leitor, a formidável alma capaz de decifrá-las, abrindo antigos portais e trazendo de volta a magia perdida deste mundo tão quase completamente industrial.