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07 dezembro, 2025

ANNE BLIND: Uma Visão Além das Trevas na Fantasia Urbana de Alex Zimmer

"Anne Blind: Entre Luz e Trevas", o primeiro volume da trilogia escrita por Alex Zimmer (também conhecido como Alexander Zimmer), é uma obra cativante que mergulha no gênero da Fantasia Urbana com uma dose intensa de mistério e suspense psicológico. Longe dos clichês, o livro constrói uma jornada de autodescoberta profunda, onde a ausência de visão física da protagonista se torna o catalisador para uma percepção muito mais aguçada da realidade oculta.


O Poder da Protagonista Cega

No coração da trama está Anne, uma órfã que reside em um internato e que carrega o fardo da cegueira e de sonhos que beiram o pesadelo. A escolha de uma heroína com deficiência visual é um dos maiores trunfos da obra, pois subverte a expectativa do "herói fisicamente capaz":

  • A Cegueira como Vantagem: O título, "Anne Blind", não é apenas uma descrição, mas um paradoxo. A incapacidade de ver o mundo material obriga Anne a confiar em sua intuição, em seus sentidos e, mais importante, em seus poderes latentes. Ela se torna a personagem ideal para atravessar o véu entre o ordinário e o mágico.

  • O Archétype do Escolhido: Anne se encaixa na jornada do herói relutante. Os sinais e eventos estranhos a tiram de sua vida isolada e a forçam a encarar um passado secreto e um destino grandioso, mas assustador.


Entre Luz e Trevas: O Conflito Central

O subtítulo da obra encapsula o simbolismo clássico da fantasia. A batalha entre a Luz e a Escuridão não é apenas um pano de fundo para a ação, mas o eixo moral e existencial da narrativa.

ForçaRepresentaçãoConexão com Anne
LuzVerdade, Conhecimento, Forças do BemA busca pelo seu passado e a aceitação de seu poder.
TrevasMistério, Engano, Ocultismo, MalOs pesadelos, os medos internos e as forças que a perseguem.

O termo "Entre" sugere que Anne não está puramente em um lado, mas sim no limiar— o campo de batalha onde as escolhas definem seu futuro. A sinopse que indica que "talvez seu pior inimigo seja ela própria" aponta para uma luta interna dramática, onde Anne precisa dominar sua própria natureza antes de enfrentar ameaças externas.


O Cenário da Fantasia Urbana

O charme da Fantasia Urbana reside em inserir o extraordinário no banal. Alex Zimmer utiliza o ambiente cotidiano (o orfanato, a cidade) como contraste perfeito para a progressiva invasão do sobrenatural.

O ritmo é construído em torno do mistério, com a narrativa lentamente revelando as peças de um quebra-cabeça que liga Anne a um mundo secreto de magia, seres míticos e conspirações. O clima de suspense é mantido através da tensão psicológica e da insegurança constante da protagonista.


Por Que Ler "Anne Blind"?

"Anne Blind: Entre Luz e Trevas" é uma leitura recomendada para quem busca fantasia que vai além da ação pura. É uma história que se aprofunda na psique de sua heroína, usando sua vulnerabilidade como sua maior força.

Alex Zimmer demonstra uma habilidade em mesclar drama pessoal com a grandiosidade da fantasia, entregando uma obra com potencial para ser um marco no gênero no Brasil. Se você ama narrativas com segredos bem guardados, personagens complexos e um universo que exige visão além do óbvio, Anne é a sua próxima heroína.


Você já leu o primeiro volume? Deixe nos comentários o que você achou da jornada de Anne!

Onde encontrar o livro: Anne Blind na Loja Uiclap


DUNA: Um Épico Atemporal de Profecia, Poder e Ecologia

 A obra-prima de Frank Herbert, Duna (1965), transcende o rótulo de ficção científica para se consolidar como um tratado complexo e visionário sobre a natureza humana, política, religião e ecologia. Ambientada no planeta desértico de Arrakis, a história do jovem Paul Atreides e sua ascensão a um messias profetizado serve de palco para profundas analogias filosóficas e uma crítica contundente ao culto ao herói.


Analogias Filosóficas e Temas Centrais

A espinha dorsal filosófica de Duna reside na exploração de vários temas intrinsecamente ligados:

  • O Perigo do Messianismo e do Carisma: O maior alerta de Herbert está em Paul. Longe de ser um herói clássico, Paul é a culminação de um programa de eugenia da seita Bene Gesserit e o resultado de forças sociais e religiosas manipuladoras. Herbert usa Paul para destruir o tropo da "Jornada do Herói". O próprio autor era cético em relação a líderes carismáticos e, nos livros seguintes, deixa claro que a ascensão de Paul leva a um Jihad galáctico que mata bilhões. A mensagem é que líderes carismáticos, por mais bem-intencionados que sejam, inevitavelmente levam ao desastre em escala massiva.

  • Ecologia e Escassez: O elemento mais sagrado para os Fremen de Arrakis é a água. Sua cultura inteira é organizada em torno da conservação e reuso da umidade, evidenciada pelos trajes destiladores. A água, um recurso vital e escasso, se torna o núcleo da ontologia e da religião Fremen. Essa é uma analogia direta à nossa dependência de recursos finitos, como o petróleo (que na trama é análogo à Especiaria-Melange), e uma poderosa crítica ao nosso descaso ambiental.

  • A Natureza do Poder e da Religião: O poder em Duna é exercido através da força militar, da política maquiavélica e, crucialmente, da manipulação religiosa. A Bene Gesserit, com seu programa de engenharia genética e a implantação de lendas messiânicas (Missionaria Protectiva), demonstra como a fé pode ser uma ferramenta de controle social e político, transformando os Fremen em instrumentos para seus próprios fins.

  • O "Gom Jabbar" e a Condição Humana: O teste Gom Jabbar, realizado em Paul pela Reverenda Mãe, questiona o que significa ser "humano", definindo a humanidade pela capacidade de superar os instintos básicos e o medo pela razão. A famosa Litania Contra o Medo ("O medo é o assassino da mente...") é uma máxima existencial que ressalta a importância do autocontrole e da consciência como pilares da evolução humana.


Implicações Culturais e Citações Cinematográficas

A influência de Duna é inegável na cultura sci-fi e em produções cinematográficas, gerando tanto impactos positivos quanto negativos.

Implicações Culturais Positivas

  • Construção de Mundos Complexos: Duna elevou o padrão da construção de mundos na ficção científica, rivalizando com O Senhor dos Anéis de Tolkien. Sua complexa teia de política imperial, casas nobres, ordens religiosas e o foco na ecologia inspiraram gerações de autores e criadores.

  • Inspiração para Grandes Franquias: A mais notória analogia está em Star Wars. Elementos como um planeta desértico (Tatooine), uma mercadoria vital (a Especiaria vs. o Kyber), o Povo da Areia (Fremen vs. Tusken Raiders) e a "Voz" (Bene Gesserit vs. a Força) mostram paralelos diretos, consolidando Duna como um dos pilares que moldaram a ficção científica moderna.

Implicações Culturais Negativas (Desafios nas Adaptações)

A complexidade de Duna sempre foi uma barreira para adaptações:

  • A Versão de David Lynch (1984): Embora tenha uma estética cult e transgressiva, a adaptação de Lynch foi criticada por condensar demais a trama e usar um design de produção espatafatoso. O próprio Lynch creditou a falha às intervenções do produtor, resultando em um filme que se afastava da profundidade filosófica de Herbert em favor de uma narrativa mais focada na ação.

  • As Versões de Denis Villeneuve (2021 e 2024): A versão mais recente é amplamente aclamada por sua abordagem séria, estilo visual brutalista e fidelidade temática. Villeneuve consegue capturar a vastidão do deserto e a seriedade dos temas políticos e religiosos, transformando o filme em um espetáculo visual de alta qualidade, comparado até mesmo à trilogia de O Senhor dos Anéis de Peter Jackson. A principal crítica, em relação à obra, é o ritmo lento de Duna: Parte Um (2021) e o desafio inerente de condensar a riqueza textual em diálogos.


A Visão de Frank Herbert sobre Sua Obra

Frank Herbert tinha opiniões muito claras sobre Duna e o que ele via como sua função:

  • Crítica ao Messias: Herbert frequentemente defendia que sua obra era uma advertência contra a procura por líderes messiânicos. Ele colocou Paul no pedestal do "Escolhido" para passar o restante da série o derrubando desse pedestal. O arco de Paul, culminando em Messias de Duna, é o desmonte da jornada do herói, algo que muitos leitores da época não compreenderam ou aceitaram.

  • Entretenimento e Engajamento: Apesar da complexidade, Herbert tinha uma abordagem pragmática com seus leitores. Ele disse: "Eu escrevo ficção científica para pessoas que não leem..." e acrescentava que se o leitor gastava "dinheiro suado (energia)" em seu livro, ele devia a ela "algum entretenimento, tanto quanto possível." Ele via a complexidade como algo em camadas, onde o leitor poderia se divertir com a jornada de um jovem ou mergulhar nas entrelinhas filosóficas.


Continuações: Legado e Controvérsia

Frank Herbert publicou seis romances na série principal. Após sua morte, seu filho, Brian Herbert, e o autor Kevin J. Anderson expandiram massivamente o universo Duna com prequels, interquels e sequências, utilizando anotações deixadas por Frank Herbert como catalisador.

Comparação de Qualidade e Motivação

AspectoObras Originais (Frank Herbert)Obras de Continuação (Brian Herbert & Kevin J. Anderson)
Estilo de Escrita (Prosa)Talentoso e Poético. Rico em diálogos internos, construção de mundo profunda, tramas dentro de tramas (influência Bene Gesserit).Funcional e Direto. Focado em descrever a ação, por vezes rotulado como "puramente funcional" ou simplório em comparação.
Complexidade FilosóficaProfunda. Aborda temas complexos (eugenia, religião como controle, ecologia). Personagens com motivações ambíguas.Superficial. Personagens frequentemente mais unidimensionais (puro bem ou puro mal). Foco maior em ação e enredo.
Recepção dos FãsAclamadas. Consideradas pilares da literatura sci-fi e essenciais para a saga.Mista a Negativa. Muitos fãs as consideram fanfiction de alta qualidade, que não atingem o nível artístico ou a profundidade do original.
MotivaçãoExploração de ideias (ecologia, política, evolução humana).Expansão do universo, preenchimento de lacunas históricas (usando as anotações do pai) e, frequentemente, o retorno financeiro do legado.

As continuações escritas por Brian Herbert e Kevin J. Anderson são vastamente criticadas por serem mais focadas em ação e world-building para o consumo pop, em detrimento da prosa densa e da crítica filosófica que definem o trabalho original de Frank Herbert. Embora essas novas obras tenham trazido uma nova geração de leitores ao universo, a maioria dos fãs concorda que os seis livros originais de Frank Herbert (especialmente a trilogia inicial: Duna, Messias de Duna e Filhos de Duna) permanecem incomparáveis em sua qualidade literária e profundidade intelectual.



A Semente de Arrakis: A Profunda Influência de Duna na Cultura Pop e a Maldição da Adaptação

O universo de Duna não se restringe às dunas de Arrakis ou à saga de Paul Atreides. A obra de Frank Herbert semeou ideias revolucionárias que floresceram em diversos gêneros da ficção, estabelecendo-se como uma força cultural tão poderosa quanto O Senhor dos Anéis e pavimentando o caminho para o sci-fi moderno.


Além de Tatooine: A Influência de Duna na Literatura

Embora a comparação com Star Wars seja a mais óbvia (planeta desértico, império maligno, ordens místicas, vermes gigantes), a influência de Duna é mais sutil e profunda em outras obras literárias, especialmente naquelas que abordam temas de política, religião e ecologia.

1. A Roda do Tempo (The Wheel of Time) – Robert Jordan

Esta série de fantasia épica apresenta paralelos notáveis, que vão além das referências superficiais:

  • O Messias Manipulado: O protagonista, Rand al'Thor, é um herói profetizado que precisa cumprir um destino que ele próprio teme, um eco direto da aversão de Herbert ao culto ao Messias em Paul Atreides.

  • Organização Feminina de Poder: A Aes Sedai, uma ordem estritamente feminina com vasto poder e influência política, é uma clara analogia às Bene Gesserit. Ambas as ordens manipulam eventos por milênios e controlam as linhagens dos nobres em busca de um Messias (o Kwistaz Haderach em Duna e o Dragão Renascido em WoT).

  • Ecologia e Cultura: A cultura Aiel (o povo do deserto) em A Roda do Tempo tem semelhanças com os Fremen, com sua natureza guerreira e o código de honra rigoroso moldado pela sobrevivência em um ambiente árido.

2. Crônicas de Gelo e Fogo (A Song of Ice and Fire) – George R.R. Martin

Embora seja fantasia, a saga que deu origem a Game of Thrones deve muito à complexidade política de Duna:

  • O Jogo de Poder Nobre: Martin admitiu que o sistema de Casas Nobres em guerra (Casa Atreides, Casa Harkonnen, Casa Corrino) inspirou a intriga de Westeros e a rivalidade de poder entre famílias como os Lannisters, Starks e Targaryens.

  • O Recurso Vital (MacGuffin Político): Em Duna, a Especiaria-Melange é o recurso que sustenta a economia e a navegação espacial. Em A Guerra dos Tronos, o Trono de Ferro e o poder inerente que ele confere é o foco central, mas a disputa por recursos ou posições de poder essenciais segue a mesma dinâmica maquiavélica.

3. Outras Obras e Conceitos

  • Estratégia e Tática: Duna popularizou a ideia de guerras travadas não apenas com tecnologia, mas com poder mental (Mentats) e manipulação estratégica. Essa ênfase na guerra como um jogo de xadrez psicológico aparece em diversas obras de ficção científica militar.

  • Ecologia como Personagem: A ideia de um planeta com um ecossistema tão vasto e perigoso que se torna quase um personagem (Arrakis e os Shai-Hulud) influenciou a criação de mundos em obras como Nausicaä do Vale do Vento (Studio Ghibli), que também aborda temas de imperialismo e questões ambientais com gigantescos seres orgânicos.


A Maldição de Arrakis: Críticas Detalhadas às Adaptações Cinematográficas

A densidade e a complexidade de Duna provaram ser uma "maldição" para os cineastas, resultando em três tentativas notórias (e uma fracassada), cada uma com seus méritos e falhas distintos.

1. A Tentativa Inacabada de Alejandro Jodorowsky (Anos 70)

Apesar de nunca ter sido filmado, o projeto de Jodorowsky é, paradoxalmente, a adaptação mais influente de Duna na história do cinema:

AspectoCrítica Detalhada
Visão ArtísticaGrandiosa e Surreal. Jodorowsky tinha uma visão épica de 14 horas, com um elenco que incluiria Salvador Dalí e Orson Welles. Ele via o filme como uma experiência alucinógena, buscando "um profeta para o nosso tempo".
Influência CulturalMassiva (e Acidental). Embora cancelado, os storyboards e os artistas contratados (Moebius, H.R. Giger, Chris Foss) espalharam suas ideias por outros filmes de ficção científica. Os designs de Giger foram usados em Alien, e as ideias de Moebius e Dan O'Bannon apareceram em Blade Runner, tornando a falha de Jodorowsky um sucesso de legado.
Fidelidade ao LivroBaixa em Temas, Alta em Escala. Jodorowsky pretendia impor sua própria filosofia no material de Herbert. É provável que o resultado seria um filme visualmente deslumbrante, mas filosoficamente distante da crítica de Herbert ao Messianismo.

2. Duna de David Lynch (1984)

O filme de Lynch é uma bagunça polarizadora, amado por fãs-cult e rejeitado pelo próprio diretor e por muitos puristas de Herbert:

AspectoCrítica Detalhada
Concisão da TramaExcesso de Condensação. Lynch tentou espremer todo o primeiro livro em 137 minutos. Isso resultou em informações vitais sendo transmitidas por narrações internas (voice-overs) e exposições apressadas, tornando a trama hermética e confusa para quem não leu o livro.
Estética VisualExtravagante e Gótica. O design de produção é único, misturando elementos de realeza vitoriana com tecnologia alienígena de forma bizarra (os Suspensores Harkonnen e os Pugs Atreides). É inconsistente com a estética futurista mais sombria e minimalista do material original.
Ato FinalDesvio Temático. O filme de Lynch falha ao transformar Paul em um Messias indubitável. O final, com Paul trazendo chuva para Arrakis, é um clichê de "final feliz" de Hollywood que trai a mensagem cética de Frank Herbert sobre líderes carismáticos.

3. Duna de Denis Villeneuve (2021) e Duna: Parte Dois (2024)

Villeneuve é amplamente aclamado por ter quebrado a "maldição" com uma abordagem séria e ambiciosa:

AspectoCrítica Detalhada
Fidelidade e RitmoAlta e Respeitosa. A decisão de dividir o livro em duas partes foi crucial, permitindo que a construção de mundo, a política e a jornada de Paul fossem desenvolvidas no ritmo adequado. A primeira parte (2021) foi criticada por ser um "prólogo grandioso" (um filme incompleto), mas sua solidez técnica e tonalidade épica prepararam o terreno perfeitamente.
Estética e EscalaMinimalista e Brutalista. A fotografia é sombria, árida e monumental, capturando a vastidão e a crueldade do deserto de Arrakis. Villeneuve foca em paisagens e estruturas gigantescas (a escala dos Carryalls e dos Shai-Hulud) para fazer os humanos parecerem insignificantes diante da natureza e do poder Imperial.
Temas (Foco Central)Crítica ao Messianismo (Parte Dois). O filme de 2024 aprofunda a crítica de Herbert. Villeneuve, de forma consciente, retrata Paul Atreides de forma mais ambígua e aterrorizante (especialmente com as visões do Jihad), mostrando que sua ascensão não é uma vitória, mas sim o início de uma calamidade galáctica. Essa nuance é a que mais honra a intenção original de Frank Herbert.


Duna não é apenas uma aventura espacial; é uma matriz para a ficção especulativa. Sua influência se manifesta na política complexa de Crônicas de Gelo e Fogo e no jogo de poder místico de A Roda do Tempo. A saga de adaptações cinematográficas, por sua vez, serve como um estudo de caso: uma obra de arte só pode ser adaptada com sucesso quando o diretor não se contenta em apenas filmar a história, mas entende e respeita a filosofia por trás dela. A versão de Villeneuve finalmente realiza essa síntese, provando que a obra-prima de Frank Herbert pode, de fato, ser traduzida para as telas mantendo sua magnitude e seriedade.



A Especiaria-Melange: O Óleo de Arrakis e a Metáfora Central de Duna

A Especiaria-Melange, o recurso mais valioso do universo de Duna, é muito mais do que um condimento ou uma droga psicotrópica. Ela é o pivô econômico, político, e biológico da galáxia, e Frank Herbert a utilizou como uma metáfora brilhante e multifacetada para os recursos vitais da Terra – principalmente o petróleo e seus derivados.

Vamos aprofundar a análise dessa analogia e suas implicações no complexo industrial-militar do universo de Duna.


Melange como Petróleo: Analogia da Escassez e Dependência

A Melange e o petróleo (ou qualquer recurso não-renovável altamente estratégico) compartilham características cruciais:

Característica da MelangeAnalogia com o PetróleoImplicação Política/Econômica
Essencial à EconomiaO Petróleo sustenta o transporte e a indústria globais.A Melange é necessária para a navegação espacial; sem ela, o Império entra em colapso. Quem controla a Melange, controla o universo.
Monopólio GeográficoO Petróleo é concentrado em regiões específicas (Oriente Médio, etc.).A Melange só é encontrada em Arrakis. Isso transforma o planeta em um ponto estratégico de guerra constante.
Efeito VicianteVício físico e dependência da sociedade moderna.A Melange prolonga a vida, expande a consciência e é vital para os Navegadores da Guilda. Sua ausência causa morte ou loucura.
Risco Extremo de ExtraçãoPerfuração em ambientes perigosos; crises geopolíticas.A Melange só pode ser colhida em Arrakis, sob a ameaça constante dos Vermes de Areia (Shai-Hulud).

A Melange e a Navegação (O elo com o Complexo Industrial)

O ponto mais forte da analogia reside no seu uso pelos Navegadores da Guilda Espacial. Esses indivíduos, profundamente mutados pela Especiaria, conseguem dobrar o espaço, permitindo a viagem interestelar.

  1. Monopólio do Transporte: A Guilda, possuidora exclusiva da Melange para este fim, detém o monopólio do transporte e, portanto, do comércio e da guerra.

  2. O "Óleo de Arrakis": A Melange é a "gasolina" que faz o motor do Império girar. Sem ela, a galáxia, apesar de sua alta tecnologia (escudos Holtzman, etc.), ficaria paralisada, segmentada em sistemas isolados.

Essa dependência cria um ambiente de chantagem constante, onde a Guilda, aparentemente apolítica, é na verdade a força mais poderosa do universo, controlando a oferta e, portanto, a paz ou a guerra.


O Complexo Industrial-Militar de Duna

Frank Herbert constrói um Império que não difere da crítica do século XX ao Complexo Industrial-Militar (CIM), a aliança entre a indústria bélica e o aparato estatal.

Em Duna, o CIM é dividido em três pilares interligados que se sustentam mutuamente através da Especiaria:

1. A Guilda Espacial (O Setor de Transporte/Logística)

  • Função: Monopolizar as viagens espaciais.

  • Dependência: Totalmente dependente da Melange para a navegação.

  • Poder: Garante que nenhuma Casa ou o próprio Imperador possa concentrar poder militar esmagador sem a sua permissão (e transporte). Eles são o "tubo de distribuição" da galáxia.

2. A CHOAM (O Motor Econômico)

  • Função: Uma corporação que rege todo o comércio galáctico, similar a um cartel global de commodities.

  • Dependência: A Melange é a commodity mais lucrativa. O controle das ações da CHOAM é a base da riqueza das Grandes Casas.

  • Poder: Garante que o sistema imperial seja, acima de tudo, um sistema capitalista extrativista, onde o foco é a maximização do lucro através da exploração de Arrakis.

3. O Landsraad e o Imperador (O Estado e o Militar)

  • Função: Garantir a ordem política e o controle militar para proteger a extração da Melange.

  • Dependência: O Imperador e as Casas precisam da Melange para financiar suas legiões, prolongar suas vidas e manter a influência política.

  • Poder: A guerra e a intriga política são os instrumentos para controlar a propriedade de Arrakis, garantindo o fluxo da Especiaria para as corporações.

O ciclo é vicioso: O Império (Landsraad/Imperador) precisa do dinheiro da CHOAM e da logística da Guilda para manter o poder. A CHOAM e a Guilda precisam da Melange de Arrakis. A Melange só é extraída com força militar, que exige ainda mais financiamento e transporte.


A Crítica à Intervenção Estrangeira

A analogia do petróleo se aprofunda quando consideramos o tratamento dado a Arrakis:

  1. Recurso Estratégico em "País" Pobre: Arrakis é um deserto inóspito, mas detém a chave do Império. Os Fremen são os povos nativos que vivem na pobreza (de água) enquanto seu recurso é extraído por Casas ricas e distantes (Atreides, Harkonnen).

  2. Intervenção Externa: A troca constante de administradores planetários (de Harkonnen para Atreides) é uma metáfora para a intervenção e a ocupação estrangeira, onde potências externas disputam o controle da extração, ignorando a cultura e as necessidades dos povos nativos.

  3. Guerra por Recursos: O conflito principal não é sobre ideologias, mas sobre quem controlará a fonte da riqueza. A guerra entre as Casas é uma representação da geopolítica do petróleo, onde grandes potências se enfrentam indiretamente para garantir o acesso a recursos essenciais.

Duna é, portanto, uma obra visionária que viu, em 1965, a essência dos conflitos modernos: a escassez de recursos como catalisador da guerra, o controle do transporte como poder máximo, e a subordinação de toda a política a um complexo sistema capitalista de extração e consumo.



A Mística da Especiaria: Bene Gesserit, Melange e a Evolução Biológica

A Especiaria-Melange não é apenas o motor da economia galáctica (o "petróleo de Arrakis"); ela é também o catalisador da evolução humana no universo de Duna. Frank Herbert atribuiu-lhe um papel biológico e místico que é central para a filosofia da ordem Bene Gesserit e seu programa de engenharia genética.

Vamos mergulhar na relação da Melange com as Irmãs e a busca pelo Kwistaz Haderach.


Bene Gesserit: Controladoras da Evolução

As Bene Gesserit são uma irmandade de mulheres que atuam como uma força religiosa, política e genética. Seu objetivo primário é guiar a humanidade para a sobrevivência e, para isso, elas mantêm um programa de cruzamento seletivo que dura milênnios – buscando o indivíduo que será o Kwistaz Haderach.

Os Poderes da Bene Gesserit

O treinamento das Bene Gesserit (Prana-Bindu) confere controle absoluto sobre o corpo e a mente. No entanto, é a Melange que desbloqueia seu poder mais profundo:

  • Expansão da Consciência: O uso controlado da Especiaria expande a capacidade mental e sensorial, resultando na Presciência (visão do futuro) e nas Memórias Outras (o acesso às memórias de todas as suas ancestrais femininas).

  • A Voz: Embora seja uma técnica de manipulação sonora, a capacidade de usar "A Voz" é refinada pela consciência expandida que a Melange facilita, permitindo o controle da vontade dos outros.

O Papel da Melange no Ritual

O uso da Melange pelas Bene Gesserit culmina no ritual da Agonia da Especiaria (ou Agonia da Mudança), o ponto de inflexão de sua ordem.


A Água da Vida: Morte, Memória e o Propósito da Melange

A forma mais concentrada e perigosa da Especiaria é a Água da Vida — o vômito líquido azul do Verme de Areia jovem (um precursor do Shai-Hulud).

1. O Ritual da Reverenda Mãe

Para se tornar uma Reverenda Mãe (o grau máximo de sua ordem), uma Bene Gesserit deve passar pela Agonia da Especiaria:

  • Ela ingere o veneno da Água da Vida e, usando seu controle mental, metaboliza-o em um néctar inofensivo.

  • Se for bem-sucedida, ela transforma o veneno, acessando as Memórias Outras (a consciência coletiva de todas as Reverendas Mães anteriores).

Este ritual é crucial: ele confere não apenas conhecimento, mas também uma profunda perspectiva histórica – um entendimento da longa jornada da humanidade e dos objetivos milenares da ordem.

2. O Limite Masculino

Historicamente, as Bene Gesserit acreditavam que a Agonia da Especiaria seria fatal para qualquer homem. O veneno (a Água da Vida) exigia a capacidade mental de processar a essência venenosa e neutralizá-la, algo que, até Paul Atreides, só as mulheres conseguiam fazer.

O Kwistaz Haderach: O Messias Genético

O Kwistaz Haderach ("O Caminho Mais Curto" ou "Aquele que Pode Estar em Vários Lugares ao Mesmo Tempo") é o homem que o programa Bene Gesserit procura há gerações.

  • A Ponte Presciente: O Kwistaz Haderach seria o homem capaz de passar pela Agonia da Especiaria e, crucialmente, acessar tanto as Memórias Outras masculinas quanto as femininas. As Bene Gesserit só podiam acessar as memórias de suas ancestrais femininas, deixando um "vazio" na história masculina.

  • O Grande Vidente: Ele seria o vidente presciente com uma clareza inigualável, capaz de "dobrar o espaço" da mente e ver todos os caminhos possíveis do futuro simultaneamente.

Paul Atreides é o resultado desse programa. Ao sobreviver à Água da Vida no deserto, ele se torna o Kwistaz Haderach, mas essa vitória é o ponto de viragem trágico que Herbert desejava:

  • A Liberdade e o Terror: A Melange e a Água da Vida deram a Paul a liberdade de ver o futuro, mas essa visão o aprisionou no caminho do Jihad, o futuro que ele mais temia. Ele se torna o Messias que as Bene Gesserit pretendiam controlar, mas seu poder é tão vasto que ele supera o controle da ordem, levando a humanidade para um caminho de violência em escala galáctica.

A Melange, portanto, não é apenas um recurso econômico, mas a ferramenta de potencialização da consciência que, ironicamente, expõe o maior perigo filosófico de Duna: o poder absoluto destrói a liberdade de escolha e impõe um destino de cataclismo.



O Jihad Butleriano: A Proibição da Máquina e a Criação da Dependência Humana

A última peça do quebra-cabeça filosófico e tecnológico de Duna é o Jihad Butleriano, um evento cataclísmico ocorrido milhares de anos antes do nascimento de Paul Atreides. Esta guerra santa estabeleceu a lei máxima do universo conhecido:

“Não farás uma máquina à semelhança da mente humana.”

Essa proibição moldou a sociedade, a tecnologia e, mais importante, a dependência humana da Especiaria-Melange, criando os pilares de poder que vemos no livro.


O Impacto Estrutural do Jihad

O Jihad Butleriano não foi apenas uma revolta contra a tecnologia; foi uma purificação ideológica que obrigou a humanidade a desenvolver suas próprias capacidades mentais e biológicas.

1. A Necessidade da Melange (O Vazio Tecnológico)

Com a proibição de computadores e inteligências artificiais (I.A.), surgiu uma lacuna funcional que precisava ser preenchida:

  • Cálculo e Logística: Quem faria os cálculos complexos de comércio, guerra e economia?

  • Viagem Espacial: Como seriam calculadas as rotas interestelares sem I.A. complexa?

A resposta para ambas as perguntas é a Melange.

A droga não apenas prolonga a vida, mas expande a capacidade cognitiva a um ponto onde a mente humana pode realizar funções antes restritas às máquinas. Isso cimentou a Melange como um recurso estratégico insubstituível, muito além de seu uso como droga de longevidade.

2. A Ascensão dos Sucesores Humanos

A ausência de I.A. levou à criação de ordens especializadas que substituíram as funções das máquinas pensantes:

A. Os Mentats (Computadores Humanos)

Os Mentats são homens e mulheres treinados desde cedo para se tornarem máquinas lógicas e de cálculo, substituindo os antigos computadores.

  • Analogia e Crítica: Eles representam o pináculo do desenvolvimento lógico humano, mas são, em essência, escravos mentais. Herbert utiliza os Mentats para questionar se a substituição de uma máquina pensante por uma mente humana treinada de forma semelhante é, de fato, uma verdadeira liberdade.

  • Dependência: Embora não dependam da Melange para serem Mentats, a droga aumenta imensamente suas capacidades de cálculo, tornando-os mais eficazes e, portanto, dependentes indiretos do recurso.

B. A Guilda Espacial (O Super-Cálculo da Navegação)

A Guilda usa a Melange em doses maciças, forçando uma mutação que lhes permite ver o futuro imediato com clareza suficiente para navegar com segurança.

  • Função: A presciência da Guilda substitui os caros e perigosos "computadores de navegação" que poderiam violar a proibição do Jihad.

  • Dependência Absoluta: Os Navegadores estão presos em seus tanques de especiaria, física e mentalmente dependentes, tornando a Guilda o árbitro mais poderoso do universo. Eles são o resultado mais extremo da proibição do Jihad.

C. As Bene Gesserit (A Super-Análise Genética e Política)

Enquanto os Mentats lidam com números e a Guilda com o espaço, as Bene Gesserit lidam com a linha do tempo e a história (as Memórias Outras), usando a Melange para a evolução biológica e o controle social.

  • Função: Elas são o "computador" genético e político do Império, aplicando cálculos milenares (o programa de cruzamento seletivo) para guiar a humanidade.


O Paradoxo do Jihad Butleriano

A filosofia do Jihad Butleriano revela o paradoxo central de Herbert:

  1. A Liberdade pela Proibição: A humanidade se libertou da tirania das máquinas pensantes, que supostamente estavam degradando o potencial humano.

  2. A Nova Escravidão: Ao proibir a I.A., a humanidade não se libertou da dependência, mas apenas a transferiu para três novas formas de escravidão:

    • Escravidão Química: Dependência da Melange.

    • Escravidão Biológica: Treinamento rigoroso e desumanizante de Mentats e Bene Gesserit.

    • Escravidão Estrutural: O aprisionamento dentro de um sistema rígido de Casas e ordens que dependem de um único ponto geográfico (Arrakis).

O Jihad Butleriano é, portanto, a condição prévia para toda a história de Duna. Ele forçou a sociedade a evoluir para uma dependência química, onde o gênio humano só pode ser acessado através de uma droga rara e perigosa. Isso reforça a crítica de Herbert: o poder raramente é destruído; ele apenas muda de mãos, assumindo novas formas de controle, sejam elas tecnológicas, políticas ou biológicas.



O Legado Visionário de Duna

O estudo aprofundado de Duna revela que a obra-prima de Frank Herbert é muito mais do que um marco na ficção científica; é uma profecia sombria e um tratado filosófico que ressoa com a geopolítica, a ecologia e a psicologia moderna.


A Teia de Temas Atemporais

A complexidade de Duna reside na sua capacidade de tecer múltiplas crises existenciais em um único cenário desértico:

  • Política e Economia: A Especiaria-Melange funciona como o "petróleo" do universo, expondo a fragilidade de um império construído sobre a dependência de um único recurso escasso, e ilustrando como a guerra por recursos impulsiona o complexo industrial-militar (a Guilda, a CHOAM e as Casas Nobres).

  • Crítica ao Messianismo: A jornada de Paul Atreides é o cerne da crítica de Herbert ao culto ao herói. Sua ascensão como o Kwistaz Haderach não é uma celebração, mas o prenúncio de um Jihad galáctico que ele não consegue parar. Duna nos alerta contra a entrega cega do poder a líderes carismáticos, não importa quão "escolhidos" pareçam ser.

  • Evolução e Dependência: O Jihad Butleriano e a subsequente proibição da I.A. forçaram a humanidade a uma nova forma de servidão: a dependência biológica e química da Melange. As ordens como a Bene Gesserit e os Mentats representam a substituição da máquina pela mente humana treinada, mas que ainda opera sob um sistema rígido de controle.

O Legado e as Adaptações

A vasta influência de Duna na literatura e no cinema—de Star Wars a A Roda do Tempo—confirma seu status como uma das bases estruturais da ficção especulativa moderna.

As tentativas de adaptação cinematográfica servem como um termômetro da complexidade da obra:

  • A falha ambiciosa de Jodorowsky e a condensação estética de Lynch provaram que a profundidade filosófica do livro era difícil de capturar.

  • A bem-sucedida abordagem de Villeneuve, que dividiu a narrativa e enfatizou o tom sombrio e a seriedade dos temas, finalmente validou a possibilidade de traduzir a magnitude de Herbert para a tela grande, mantendo intacta sua crítica ao Messianismo.


Veredicto Final

A obra de Frank Herbert permanece um estudo essencial para a compreensão da condição humana. Duna nos obriga a confrontar verdades desconfortáveis sobre o poder, a manipulação religiosa e o destino inevitável que aguarda uma sociedade que falha em aprender com sua história e que coloca o lucro acima da ecologia.

A saga é um lembrete perene de que o medo é o assassino da mente, e que a busca pelo conhecimento e o controle sobre si mesmo (e não sobre os outros) é a única verdadeira barreira contra a tirania. O deserto de Arrakis é, em última análise, o espelho onde a humanidade deve enxergar sua própria sede de poder e sua responsabilidade ecológica.


Gostou da matéria? Então, compartilhe com amigos e conhecidos, para que também eles venham ler a respeito e se sintam estimulados a mergulhar nesta obra prima fascinante de Frank Herbert.



19 novembro, 2019

Primeiras Linhas de um Aviso Inicial

Eu poderia discursar sobre as razões que me trazem aqui e dar inúmeros motivos idiotas para te convencer, mas isso realmente não é importante. O fato é que estou aqui, nesta posição um pouco incômoda, mas que já foi muito mais incômoda do que agora, porque eu simplesmente parei de me preocupar tanto. Percebi, enfim, que fatos são fatos e de nada adianta ficar me preocupando em demasia quanto ao que está acontecendo e ao que pode acontecer no futuro; um futuro que é uma quimera, até que o presente se movimente em alguma direção.

Cheguei aqui por 'acaso' - se é que isso existe - há dois anos. Estranhamente, fui abordado numa lanchonete. Fui pego de surpresa com a proposta e com a escolha do local onde vieram fazê-la, mas depois compreendi a necessidade de um local público; uma boa forma de evitar uma reação indesejada de minha parte.

Eles chegaram e me 'convidaram' a fazer parte de um projeto governamental sigiloso, mas que, até então, não poderiam revelar. É óbvio que achei estranho e até mesmo ri da proposta, mas depois tive que enfiar minha viola no saco, porque os sujeitos estavam mesmo falando a verdade e o tal projeto realmente existia. 

Eles me conheciam muito bem. Não só desfilaram todo meu currículo acadêmico, como também meus costumes diários, o que me deixou bem assustado, pois disseram coisas que somente eu sabia, coisas como: que lado da boca eu escovo os dentes primeiro. Parece ridículo, eu sei, mas era este tipo de meticulosidade de conhecimentos que eles tinham a meu respeito. Já estavam me observando faz tempo, pensando em 'recrutar-me' para o trabalho que faço hoje.

Por que resolvi falar sobre isso abertamente? Bem, estou doente e sem chance de cura. Não que ela, a cura, não exista, ela existe, mas vários eventos me trouxeram à posição em que estou agora e, digamos, essa doença foi resultado de algumas desavenças e desagrados, que nasceram e culminaram a partir do momento em que resolvi discordar de certos 'valores'. A cura? Bem, está exatamente em poder de quem não é muito simpático às minhas opiniões. Como não há muita esperança de que me façam uma bondade, resolvi golpear fundo, expondo o que sei, ou pelo menos, parte considerável do que sei a respeito do que andam fazendo, já há muitos anos e pelas costas de gente como você. O assunto é delicado e merece um cuidado especial com as palavras, para que não pareça uma coisa de maluco, muito embora isso acabe acontecendo de alguma forma, pelo menos no início do relato.

Bom, vamos deixar de enrolação e passar logo aos fatos que me trouxeram até este momento derradeiro de minha vida, mas que - quem sabe? - não pode ser um divisor de águas na política de acobertamento de segredos tão assustadoramente importantes para o futuro da humanidade, tirando-a deste obscuro abismo que 'eles' cismam em manter a todos. Está na hora de todos saberem o que está acontecendo e, talvez, tomar as rédeas desta loucura. Mas nunca é demais deixar de salientar que esta mudança não virá pacificamente e, sangue e vidas se perderão em meio a esta reviravolta, que só pessoas como você podem pôr em marcha, para seu próprio bem e de toda a humanidade neste planeta.

08 outubro, 2019

O Ilustre Desconhecido

O Rio de Janeiro é uma cidade bastante cosmopolita. Gente de todo lugar vem passar férias aqui, acaba se apaixonando e ficando de vez. A cidade é realmente bonita, mais por sua natureza e proximidade entre montanha, floresta e mar.

Como toda cidade grande, o Rio também tem seus problemas, mas nós cariocas e algumas pessoas de fora que vieram morar aqui, logo aprendemos a lidar com estes contratempos de forma muito peculiar.

Meu nome é Alexander Zimmer. Sou escritor, ator e cineasta. Também sou entusiasta de assuntos pouco ortodoxos e considerados por alguns, no mínimo, duvidosos. Mas sou da opinião de que não se deve bater o martelo em relação a algo que não tenha sido analisado profundamente. Como diz o velho ditado: onde há fumaça, há fogo.

Partindo deste princípio, nunca fui uma pessoa de aceitar “achismos” de ninguém. Sempre que algum assunto desperta minha atenção, procuro saber um pouco mais e acabo por mergulhar fundo na questão.

Possuo uma biblioteca extensa sobre assuntos dos mais diversos, sobretudo, relacionados ao sobrenatural, arqueologia proibida, ufologia e… extraterrestres. Digo biblioteca, mas nisso também estão incluídos filmes, vídeos e recortes. Tenho mesmo muito material relacionado e, muitos deles, verdadeiras raridades; alguns garimpados a muito custo e outros, resultado de incursões e experiências pessoais.

Não preciso me estender muito sobre mim. Não sou a parte importante deste livro e até a presente data em que o escrevo, sou autor de dois outros romances: “A Maldição da Lua” e “Anne Blind entre Luz e Trevas”, o primeiro lançado pela extinta Editora Faces e o segundo lançado pela Editora Viseu. Porém, aqui faço apenas o papel de repórter. Na verdade, nem fui atrás do assunto em questão; ele veio atrás de mim – de certa forma. Bom, vamos por partes. Prometo que vou tentar sintetizar o máximo possível, para que a leitura não se torne enfadonha e redundante.

Apesar de não ser um investigador profissional e nem um ufólogo de verdade, sempre me interessei pelo assunto, a ponto de ir a simpósios e editar um blog, cujo conteúdo versa sobre diversos assuntos não muito ventilados pela mídia dita “oficial”, mas, sobretudo, a respeito do fenômeno UFO e de extraterrestres. O nome do blog é Filosofia Imortal (FI). O FI tem, atualmente, pouco mais de duas mil visitas por dia, de diversas partes do mundo. Mesmo no blog, procuro não emitir uma opinião definitiva sobre nada. Antes, deixo sempre a discussão em aberto, de forma que o leitor possa sempre tirar suas próprias conclusões, servindo também como incentivo para que o mesmo procure pesquisar mais sobre os assuntos de seu interesse. 

O blog funciona mais como um aglutinador de várias informações garimpadas na Internet, facilitando assim que o leitor consiga acessar tudo que possa interessar de forma rápida e com o frescor das constantes atualizações. E foi através do FI, que um dia recebi um e-mail, cujo autor se deixava conhecer apenas pelo nome de Hamilton e que reproduzo abaixo:

Sr. Editor
Antes de mais nada, gostaria de pedir sua atenção por alguns minutos.
Adquiri seu romance A Maldição da Lua e sou leitor assíduo de seu blog, não porque seja um grande entusiasta dos assuntos ali postados, mas porque um determinado tema tem muito a ver com minha experiência de vida.
Vivi muitas coisas em meus 45 anos de vida e gostaria que esta vivência não ficasse perdida. Inclusive, não é apenas de minha opinião que a história que gostaria que ficasse apenas guardada em minha lembrança, deva ser compartilhada com o público. Por isso escolhi entrar em contato com o senhor, de forma que pudéssemos conversar sobre o assunto e que tivéssemos a oportunidade de saber se seria de seu interesse, escrever um livro sobre tudo que tenho para contar. Caso não se interesse em absoluto pela minha história, compreenderei perfeitamente sua recusa, sem quaisquer ressentimentos. Reconheço mesmo, que o assunto pode ser, por demais, polêmico e não seria o senhor, creio eu, o único a recuar diante de minha proposta. Atitude que consideraria bem natural.
Obviamente, que não podemos falar sobre o assunto através de correio eletrônico, por isso, coloco-me a sua inteira disposição para um encontro, em local e horário de sua escolha. Peço apenas, que seja um local onde possamos conversar sobre assunto sério, sem sermos importunados por “curiosos”, apesar de local público, para que o senhor se sinta seguro.
Sendo assim, deixo meu telefone de contato. Ou se preferir, pode responder-me pelo próprio correio eletrônico.
Grato.
Hamilton


Obviamente que fiquei extremamente curioso com o e-mail do tal Sr. Hamilton. Mas ao mesmo tempo, fiquei com o pé atrás. Apesar de o texto ser respeitoso e até cuidadosamente escrito, deixando transparecer uma pessoa culta, confesso que não sabia se podia confiar em algo assim. No entanto, sendo uma história realmente especial, como o Sr. Hamilton prometia, não aceitar seria desperdiçar talvez uma boa história. Mais tarde, percebi que era muito mais do que uma boa história… muito mais do que isso. Graças a Deus não recusei.

Apesar da vontade de responder a mensagem por e-mail, fiquei reticente. A insegurança comum de saber se deveria dar atenção e levar a frente algo que poderia vir da mente de algum maluco. Vai que o cara é um psicótico ou coisa pior? Mas também, se eu não arriscasse, nunca saberia de fato o que estaria, por acaso, perdendo. Além do mais, ele mesmo sugerira que nos encontrássemos num local público.

Peguei o telefone, olhei para as teclas durante algum tempo e, num ímpeto, disquei os números. O telefone tocou quatro vezes, antes que alguém atendesse. Uma voz rouca, mas, ao mesmo tempo, jovial, sem perder em seriedade, respondeu. Identifiquei-me e logo começamos um papo mais descontraído, falando sobre o blog e diversos assuntos, antes de finalmente entramos no assunto em questão e que deveria levar a um possível livro. Como o papo era por telefone, não nos estendemos muito, por questões obvias. Então, marcamos um encontro no dia seguinte, uma sexta-feira, no restaurante Amarelinho, no bairro da Cinelândia, centro do Rio, às quinze horas, de forma que não pegaríamos o horário de almoço e nem a hora do rush, em que todo mundo sai de seus empregos e lotam tradicionalmente os bares, para um chopinho antes de ir para casa.

Cheguei meia-hora antes, de forma que pudesse estar atento e ver a chegada do ilustre desconhecido e, de repente, perceber algo de estranho ou não, de forma a me precaver e saber se não me metera numa furada. Péssima ideia! O que consegui foi ficar quase neurótico, a medida que o tempo passava e se aproximava a hora de encontrar com o ilustre desconhecido de nome Hamilton. A única coisa que sabia sobre ele era seu nome. Acabei por não perguntar nada sobre sua aparência quando falamos ao telefone, então, de qualquer forma, seria uma incógnita até que ele se apresentasse ao chegar. Ele estava na vantagem, pois sou uma pessoa pública, fácil de reconhecer por fotos na Internet.

O tempo passou lentamente, como a querer me deixar cada vez mais entre ansioso e descrente de que aquilo pudesse render uma boa história de fato. Provavelmente seria mais um maluco que contaria uma história besta sobre discos voadores e extraterrestres, sem o menor embasamento e cheia de absurdos, que qualquer pessoa com o mínimo de sensatez recusaria de cara.

O relógio marcou quinze horas e um homem de cabelos castanho-claros acenou para mim do outro lado, vindo da direção do prédio da Biblioteca Nacional. Vestia-se de forma simples. Uma calça jeans, uma camisa italiana e tênis. Quando se aproximou da mesa, levantei-me e, cumprimentando-o, ofereci a outra cadeira, para que sentasse. 

Tinha um olhar calmo, porém que transmitia uma confiança e energia e que dava a clara impressão de que aquele homem, além de ter um bom coração, realmente possuía algo importante para contar. Não sei bem como explicar essa sensação, apenas estou descrevendo o que senti.

– Pois então, Hamilton. Você me disse que tinha uma história e gostaria de compartilhar com o público através de um livro escrito por mim.
– Isso mesmo, Alex. Você se incomoda que eu te chame de Alex?
– Absolutamente. Fique à vontade. Mas… por que não publica-la no blog?
– Isso até poderia ser feito, mas acredito que um livro é uma forma mais segura e concreta de divulgar tudo quanto tenho para lhe contar. Até porque a história é grande e cheia de detalhes, o que por si só já seria motivo para um livro, creio eu.
– Tá. Mas por que eu? Por que não outro autor?

Hamilton suspirou fundo e deu um sorriso enigmático, que até então me pareceu indecifrável.

 –Bem, você escreve muito bem e seu interesse pelo assunto demonstra uma imparcialidade. Você não puxa a brasa para a sardinha de ninguém. Isso nos agrada.
– Nos? O que você quer dizer com isso? Tem mais gente envolvida?
– Bom, tudo a seu tempo. Se eu adiantasse tudo agora, neste primeiro encontro, creio que teria que resumir demais e o assunto, se me permite, tem importância demais para ser resumido; coisas essenciais se perderiam. Portanto, peço sua paciência para que eu possa falar de tudo conforme acredito que deva ser contado.

Fiquei curioso com tudo que se passava. Não só a forma como ele falava, mas o quanto seu discurso era conciso. A verdade era que eu ficava cada vez mais interessado e curioso. Apesar de tudo, Hamilton era muito natural e tranquilo; uma tranquilidade de certa forma contagiante.

Alguma coisa me dizia que ele tinha realmente uma grande história e essa história, possivelmente mexera e muito com o ser humano que ele era. O fato é que ele era diferente de todas as pessoas que eu já conhecera na vida. Cheguei a questionar se eu não estava fantasiando isso, mas era evidente demais essa sua diferença, para que eu pudesse ignorá-la. Era algo bom. Definitivamente, bom! Muito embora eu não pudesse identificar especificamente o que era diferente!

– Veja bem. O que irei te contar não é apenas mais uma história. Se me permite dizer, é “A história”. Tudo pelo que passei mudou e muito minha própria vida, a forma como vejo o mundo e, consequentemente, como vejo o universo.
– O universo? Um pouco forte isso, não?
– Bastante. E não há nada de exagero. É a mais pura verdade. Bem… como gostaria que eu começasse? Talvez seja melhor começar bem do comecinho, não?
– Ora… Como você quiser, Hamilton. Eu to aqui para te escutar mesmo. Posso gravar tudo o que você vai dizer? Seria mais fácil para transcrever no computador, quando eu chegar em casa.
– Fique à vontade, Alex. É melhor mesmo que grave, pois assim fica mais fiel e você não precisa resumir tudo que eu digo, enquanto escreve. Só peço que estas fitas sejam apagadas, assim que o livro for publicado. O objetivo não é que o conteúdo acabe circulando pela Internet em forma de áudio. Caso contrário, eu mesmo poderia fazê-lo. É importante que o produto final tenha qualidade e fidelidade. Muitas das coisas que contarei precisaremos esclarecer e isso renderá muitas horas de conversa entre nós dois. Lembre-se que este é apenas nosso primeiro encontro e há muito o que ser contado e principalmente entendido.

Concordei com seu pedido, que me pareceu muito razoável. Peguei o pequeno gravador digital dentro da pequena mochila, liguei e coloquei em cima da mesa. 

E assim começou a história de Hamilton.

Trecho do livro "Entrevista com o Extraterrestre"
De Alexander Zimmer
Baseado numa história verídica e fantástica.
Lançamento em breve.