19 outubro, 2025

Marilyn Monroe: entre o mito, a mulher e o abismo

Marilyn Monroe não foi apenas um ícone de beleza — ela foi um fenômeno cultural, uma alma inquieta e uma figura envolta em mistério. Sua trajetória, marcada por ascensão meteórica, vulnerabilidade emocional e uma morte cercada de controvérsias, revela muito mais do que o sorriso platinado estampado em pôsteres. Norma Jeane Mortenson, seu nome de nascimento, viveu entre extremos: da infância instável à glória hollywoodiana, da solidão profunda ao status de lenda.


Infância fragmentada e identidade em construção

Nascida em 1º de junho de 1926, em Los Angeles, Marilyn foi filha de Gladys Pearl Monroe, uma editora de filmes com histórico de problemas mentais. Seu pai biológico nunca foi oficialmente confirmado, embora muitos apontem Charles Stanley Gifford como o mais provável. A mãe foi internada em instituições psiquiátricas, e Norma Jeane passou por orfanatos e lares adotivos, desenvolvendo desde cedo uma sensação de abandono que a acompanharia por toda a vida.

Casou-se aos 16 anos com James Dougherty para evitar voltar ao orfanato. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou em fábricas, onde foi descoberta por um fotógrafo militar. Assim começou sua carreira como modelo, que logo evoluiu para o cinema.



A ascensão e o estigma da “loira burra"

Marilyn adotou o nome artístico em 1946 e passou por uma transformação física e comportamental para se adequar ao padrão hollywoodiano. Seu cabelo foi descolorido, sua voz treinada para soar mais suave, e sua imagem moldada como símbolo sexual. Estrelou sucessos como Os Homens Preferem as Loiras (1953), O Pecado Mora ao Lado (1955) e Quanto Mais Quente Melhor (1959), mas lutava contra o estereótipo da “loira burra” que lhe era imposto.

Apesar da fama, enfrentava inseguranças profundas, crises de ansiedade e dificuldades para memorizar roteiros. Buscou aprimoramento artístico estudando com Lee Strasberg no Actor’s Studio, tentando se afirmar como atriz séria. Sua performance em Almas Desesperadas (1956) é considerada uma das mais autênticas de sua carreira.


Relacionamentos turbulentos e fragilidade emocional

Joe DiMaggio

Marilyn teve três casamentos: com James Dougherty, Joe DiMaggio (astro do beisebol) e Arthur Miller (dramaturgo). Todos terminaram em divórcio. DiMaggio permaneceu como figura protetora até sua morte, enviando flores ao túmulo dela por décadas. Com Miller, viveu uma relação intensa, mas marcada por frustrações e traições.

Ela também teve envolvimentos com figuras poderosas, como John F. Kennedy e Robert Kennedy, o que alimentou teorias conspiratórias sobre sua morte. Sua dependência de barbitúricos e álcool, somada à pressão da fama, agravou seu estado psicológico.



Morte controversa e legado eterno

John F. Kennedy
Em 4 de agosto de 1962, Marilyn foi encontrada morta em sua casa, aos 36 anos. A causa oficial foi overdose de barbitúricos, mas as circunstâncias levantaram suspeitas: ausência de copo de água, contradições nos depoimentos, e a rápida remoção de evidências. Teorias variam entre suicídio, acidente e encobrimento político envolvendo os Kennedy.

Mesmo após sua morte, Marilyn Monroe permanece como um dos maiores ícones da cultura pop. Sua imagem é reproduzida em arte, moda e cinema, mas sua história real — marcada por luta, dor e busca por autenticidade — é frequentemente eclipsada pelo mito.

Marilyn Monroe foi moldada por Hollywood — e também silenciada por ela. Seus registros médicos e a manipulação midiática revelam uma mulher vulnerável, controlada e, em muitos aspectos, ocultada.


Manipulação midiática: a construção e destruição de um ícone

Desde o início de sua carreira, Marilyn Monroe foi transformada em produto. A indústria cinematográfica criou uma persona — a “loira sensual e ingênua” — que não refletia sua verdadeira personalidade. Norma Jeane era inteligente, culta, leitora voraz de Dostoiévski e Joyce, mas isso raramente era mostrado. Os estúdios controlavam sua imagem, suas entrevistas e até seus relacionamentos públicos.

A mídia reforçava esse estereótipo, ignorando suas tentativas de se afirmar como atriz dramática. Quando ela fundou sua própria produtora, a Marilyn Monroe Productions, em 1955, foi vista como uma afronta à ordem estabelecida. A imprensa passou a retratá-la como instável, difícil e emocionalmente frágil — uma narrativa conveniente para deslegitimar sua autonomia.


Registros médicos revelados: cirurgias, traumas e medicação

Em 2013, documentos médicos de Marilyn foram leiloados, revelando detalhes antes ocultos:

- Aos 24 anos, ela passou por uma cirurgia para corrigir uma “deformidade no queixo”, com implante facial.

- Também há registros de rinoplastia leve e tratamentos dermatológicos para cicatrizes causadas por acne.

- Os documentos indicam uma gravidez ectópica e múltiplos abortos espontâneos, o que contradiz a imagem pública de mulher sedutora e despreocupada com maternidade.

Além disso, foi revelado que Marilyn era tratada com barbitúricos, anfetaminas e tranquilizantes, prescritos por diversos médicos — às vezes simultaneamente — sem coordenação entre eles. Essa polifarmácia contribuiu para seu estado emocional instável e possivelmente para sua morte.


Autópsia e controvérsias: o silêncio institucional

O legista Thomas Noguchi, responsável pela autópsia de Marilyn, revelou em sua biografia recente que se arrepende da forma como o caso foi conduzido. Ele afirma que houve pressão para encerrar rapidamente o caso como “suicídio por overdose”, sem investigar profundamente as circunstâncias.

Entre as inconsistências:

  • Não havia copo de água no quarto, apesar da ingestão oral de comprimidos.
  • A empregada e o psiquiatra mudaram suas versões dos fatos.
  • A autópsia não incluiu análise completa do conteúdo estomacal.

Esses elementos alimentaram teorias de conspiração envolvendo os irmãos Kennedy, com quem Marilyn teria tido relações íntimas. Alguns acreditam que ela foi silenciada por saber demais — outros, que foi vítima da negligência médica e institucional.


A mulher por trás do mito

Marilyn Monroe foi uma mulher complexa, marcada por traumas, inteligência e desejo de liberdade. A manipulação midiática e os registros médicos revelam uma figura profundamente humana, que lutava para existir além da fantasia projetada sobre ela.

Sua história é um alerta sobre os limites da fama, o poder das narrativas e o preço da beleza em uma sociedade que consome ícones — e os descarta quando se tornam incômodos.



Marlon Brando: o gênio rebelde que desafiou Hollywood e a sociedade

Marlon Brando não foi apenas um dos maiores atores do século XX — ele foi um símbolo de ruptura, intensidade e contradição. Sua vida e carreira misturam genialidade artística, ativismo político e escândalos pessoais que desafiam qualquer narrativa simplista.

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Do Nebraska à Broadway: o nascimento de um ícone

Nascido em Omaha, Nebraska, em 3 de abril de 1924, Brando cresceu em um ambiente familiar conturbado, marcado pelo alcoolismo dos pais e pela separação precoce. Aos 20 anos, mudou-se para Nova York e mergulhou no método Stanislavski, estudando com Stella Adler e no Actor’s Studio. Sua estreia na Broadway com Um Bonde Chamado Desejo (1947) foi explosiva — e a adaptação para o cinema em 1951 o consagrou como o novo rosto da atuação visceral.


Um Bonde Chamado Desejo

Hollywood aos seus pés - e sob seu desprezo

Brando conquistou dois Oscars: por Sindicato de Ladrões (1954) e O Poderoso Chefão (1972), onde sua interpretação de Don Corleone redefiniu o arquétipo do mafioso. Mas sua relação com Hollywood era ambígua. Ele desprezava o sistema de estúdios, sabotava gravações com atrasos e exigências excêntricas, e chegou a recusar o Oscar de 1973 em protesto contra o tratamento dado aos nativos americanos.



O Poderoso Chefão
O ativista e o homem em conflito

Brando foi um defensor fervoroso dos direitos civis e das causas indígenas. Esteve ao lado de Martin Luther King e apoiou publicamente os Panteras Negras. Mas sua vida pessoal era marcada por excessos e tragédias: teve 11 filhos, incluindo Christian Brando, condenado por homicídio, e Cheyenne Brando, que morreu por suicídio após anos de sofrimento psicológico.


Escândalos, isolamento e legado

Apocalypse Now

Nos anos finais, Brando viveu recluso, lutando contra problemas de saúde e financeiros. Seu comportamento errático e suas exigências em sets de filmagem — como em Apocalypse Now (1979), onde apareceu acima do peso e sem decorar o roteiro — tornaram-se lendas de bastidores. Ainda assim, sua influência permanece viva: Brando redefiniu o que significa *atuar com verdade*, inspirando gerações de artistas como Al Pacino, Robert De Niro e Johnny Depp.

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Marlon Brando foi um artista que viveu em guerra com o mundo — e consigo mesmo. Seu legado não é apenas cinematográfico, mas existencial: ele nos ensinou que a arte pode ser um grito, uma ferida e uma forma de resistência.


Lawrence da Arábia: A Lenda Forjada na Areia e no Caos

 


Aos olhos do mundo, *Lawrence da Arábia* (1962) surgiu como uma miragem cinematográfica — deslumbrante, monumental, quase impossível. Nos bastidores, porém, sua produção refletia a própria jornada do protagonista: uma saga de obsessão, resistência e embates contra forças colossais, tanto da natureza quanto da humanidade. Nascido de um gesto audacioso, o filme enfrentou censura em países árabes por alegada distorção histórica. Foi Omar Sharif quem salvou seu destino, organizando uma exibição privada para o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Convencido, Nasser não apenas autorizou sua exibição como o abraçou, transformando-o em um fenômeno nacional. Antes mesmo de chegar às telas, a obra já imitava a vida — rompendo fronteiras políticas com a força de sua narrativa.

A origem do projeto foi marcada por uma obstinação quase delirante. David Lean, diretor perfeccionista, recusou os caminhos seguros propostos pelo produtor Sam Spiegel e exigiu filmar nos locais autênticos da história. Essa decisão desencadeou uma avalanche de desafios logísticos e diplomáticos. Spiegel, judeu, precisou de um visto que o identificasse como “anglicano” para entrar na Jordânia. Cada litro de água cruzava 242 quilômetros de deserto. Para registrar a entrada mítica de Omar Sharif, o diretor de fotografia Freddie Young utilizou uma lente de 482 mm criada exclusivamente para a cena — batizada, desde então, de “lente David Lean”. O deserto não era pano de fundo: era um personagem vivo, exigente, quase divino.

Sob o sol inclemente, os atores moldaram seus papéis e suas próprias resistências. Peter O’Toole enfrentou uma iniciação brutal: sua pele irlandesa queimou, seu corpo acumulou fraturas, e seu traseiro sangrou de verdade sobre a sela do camelo. A solução? Uma camada de borracha esponjosa, que lhe rendeu o apelido carinhoso dos beduínos — “o pai da esponja”. O’Toole viveu meses no deserto, dormindo sob as estrelas, enquanto a figurinista Phyllis Dalton traduzia seu desconforto psicológico em uniformes mal ajustados e túnicas árabes cada vez mais translúcidas. Alec Guinness, por sua vez, foi maquiado com tal precisão que chegou a ser confundido com o verdadeiro Príncipe Faisal pelas autoridades locais.

O ápice da produção foi tão turbulento quanto as batalhas retratadas. Na filmagem do ataque a Aqaba, O’Toole e Sharif, bêbados e apavorados, amarraram-se aos camelos. Um efeito especial disparou antes da hora, fazendo o animal de O’Toole correr em pânico — quase o esmagando sob a cavalaria. Ao mesmo tempo, a tensão entre Lean e Spiegel atingia o limite. Spiegel, ausente do set, simulava ataques cardíacos para manipular o orçamento. Lean, em revanche silenciosa, inseriu um frame nas diárias mostrando seu dedo do meio para o produtor.

O legado de *Lawrence da Arábia* está intrinsecamente ligado ao caos de sua criação. A jornada de mais de dois anos — mais longa que a campanha real de Lawrence — não gerou apenas um filme, mas uma lenda. O general que enlouqueceu de insolação, os copos plásticos banidos por Lean, o corte de fósforo sugerido pela editora: cada obstáculo vencido adicionou uma camada de autenticidade e grandeza à obra. Quando a trilha triunfal de Maurice Jarre ecoou sobre as dunas, ela não celebrava apenas um homem — mas o triunfo coletivo de uma equipe que, enfrentando o impossível, domou o deserto e eternizou sua história.

Baseado no texto original de @Filmoscópio.


12 julho, 2025

Pequenos Momentos de Lucidez Extrema

 Estava direcionando e observando o trabalho de uma atriz aqui, em meu estúdio, e fiquei refletindo o quanto eu tive que pesquisar e explorar para chegar no entendimento de mecanismos e lógicas emocionais, de forma a conseguir atingir uma verdade cênica satisfatória, e como tenho facilitado para os atores este processo; eles tem, em alguns minutos, acesso a técnicas e a entendimentos, que levei anos para descobrir e desenvolver. Fico muito feliz de poder proporcionar esse diferencial a eles, facilitando e acelerando seu desenvolvimento, que, do contrário, levaria muitos anos e nem sei se chegaria a contento.

Esses momentos de lucidez extrema me ajudam a perceber que eu não posso deixar de fazer esse trabalho. Ele é único; e com uma entrega difícil de encontrar por aí, pois sou muito sincero a cada passo que damos juntos. Não sei se existe alguém que faça isso, que tenha esse carinho e a enorme satisfação que eu sinto em vê-los evoluindo. Isso tudo é muito especial para mim... e faço de tudo para que seja algo especial para eles.

18 setembro, 2023

Os Morcegos

   Ele estava lá, imóvel; apenas observava o revoar dos morcegos, que cortavam velozes o ar ao seu redor. Era uma imagem curiosa de se observar, ele parado ali e todos aqueles morcegos indo e vindo, frenéticos, sorvendo o que restara nos bebedouros dos beija-flores.

   O que passava por sua mente naquele instante era difícil de se saber. Ele jamais fora um homem previsível; encontrá-lo ali, em meio ao voo dos morcegos era ótimo exemplo de sua imprevisibilidade.

   Até que, em determinado momento, balançou o corpo, deu meia-volta e retornou para dentro de casa, sem nada dizer e fechando a porta atrás de si.

   Depois desse dia percebia-se a repetição do mesmo costume, vez ou outra, mas sempre da mesma forma, sem dizer palavra; apenas à observar o voo dos morcegos.

   Alguns anos depois, soube-se que ele falecera de forma natural, levando consigo a razão de porque desenvolvera esse costume de observar os morcegos. Talvez gostasse das criaturinhas noturnas. Mas a verdade é que o real motivo para todo o sempre será um mistério.

15 maio, 2023

Memórias de Cotswolds

Eu costumava olhar a sutil névoa que cobria as manhãs de Cotswolds, quando visitava minha avó durante as férias. Nunca tivemos isso no Brasil, ainda menos no Rio de Janeiro. Aqueles momentos matutinos em terras inglesas me faziam sentir como um personagem mitológico de um livro de aventuras que Tolkien nunca escrevera, ou que escrevera, mas estava escondido, perdido por dezenas de anos, sem que ninguém suspeitasse de sua existência; e esse pensamento me fazia sentir como pertencente à uma história esclusiva e que ninguém lera ainda.

Eu devia ter por volta de nove ou dez anos, mas já tinha essa mente fértil ou dada a viagens mirabolantes, como um prelúdio de que me tornaria escritor ou qualquer outra coisa que necessitasse de uma mente criativa e sem amarras, que nunca tivera medo de criar e viver seus mundos, embora os reservasse ao particular, com receio da dureza das outras pessoas. Minha avó alimentava isso. Como boa descendente de irlandeses, a mitologia e a magia daquelas terras fluiam pelo seu sangue, transbordavam por seus movimentos e insinuavam-se através de seu olhar sempre vivaz e cheio de mistérios, que tanto me fascinavam e confortavam, quando eu desejava ser apenas eu mesmo, sem as pseudo regras de uma sociedade cada vez mais atolada na brutalidade de um mundo fabricado por medos e dominância.

Eu andava por aquelas ruas e caminhos quase naturais, encontrava trilhas diferentes e, embora fosse uma cidade, sempre fora uma cidade repleta recantos interessantes, se é que essa seria a melhor forma de classificá-los, quando 'recantos' parece tão simplista e tão inapropriadamente insuficiente. Toda a arquitetura de Cotswolds tinha algo que me remetiam aos livros, um toque especial de algo sutil, segredos furtivos de lugares e momentos atemporais, como portais para outras dimensões e mundos insuspeitados. E eu fantasiava com fadas escondidas em moitas, que me observavam curiosas; fantasiava com passagens secretas de gnomos disfarçadas embaixo de pedras musguentas ou em pequenos e obscuros vão nos velhos carvalhos.

Eu passava minhas férias de inverno nesse lugar mágico, do qual me lembro sempre com muito carinho e um impossível desejar de que um dia retorne; mas será que ele não tem exatamente o poder de retornar sempre que relembro alguns desses momentos de minha infância distante?

Hoje sou um escritor brasileiro, porque, afinal, brasileiro sou, porém há em minhas veias o velho sangue, com toda sua herança mitológica; minha alma permanece repleta das brumas e sonhos saturados de magia antiga, que inevitavelmente verto em minha escrita, em minhas histórias, que nem sempre são previsivelmente compreendidas, e permanecem nas entrelinhas, aguardando a personalidade certa, o insólito leitor, a formidável alma capaz de decifrá-las, abrindo antigos portais e trazendo de volta a magia perdida deste mundo tão quase completamente industrial.


12 setembro, 2022

E Continuam Caçando Bruxas... (Sobre Ser/Agir Diferente)

 

Fotografia de Rui Veiga
Às vezes, apesar de minha tranquilidade (aparente), tenho vontade de transgredir e revolucionar tudo, fazendo algo totalmente inesperado e que muita gente acreditaria que seria praticamente impossível que eu fizesse. Às vezes realmente faço e as pessoas se dividem comicamente em dois grupos, os assustados e os críticos. De um momento a outro, uns passam do primeiro grupo para o outro; bem previsível, após passar o susto provocado pela surpresa do inesperado. As palavras se levantam no ar como impiedosas flechas ou permanecem as carrancas estampadas, como a quererem espantar os maus espíritos, exatamente como suas similares nas portas das casas nos costumes antigos de algumas regiões do Brasil. 

Mas, apesar de toda a comoção, se é que posso usar este termo, a bem da verdade, não imagino porque eu teria que corresponder às expectativas dos outros, coisa que só diz respeito a cada um que se atreve  a usar deste artifício pouco útil. Como diz o velho adágio popular, o que eu faço da minha vida, só diz respeito a mim e NÃO DEVERIA dizer respeito a ninguém; porém, vivemos numa sociedade onde as pessoas foram acostumadas a reagirem como se a vida alheia lhes dissesse respeito e, alguns, sentem-se profundamente ofendidos, se alguém resolve pensar ou agir diametralmente diferente do que eles (ou a sociedade) estabelecem como padrão, ou seja, o supostamente certo.

Não foram raras as vezes em que me vi numa posição curiosamente hostil e me senti até envergonhado, para depois, aos poucos, começar a perceber que a opinião dos outros pouco ou nada tinha de importância em relação às minhas escolhas e na forma em que eu decidia viver. Desde que eu não estivesse de fato prejudicando ninguém, qualquer argumento em contrário não passa de falácia e intrometimento de alguém (ou alguéns) que se acha no direito de ser o juiz que vai pautar o que é certo ou errado na vida de quem vive dentro desta sociedade.

No passado, nas gerações anteriores à minha, a coisa era ainda pior e as pessoas que ousassem "escandalizar" a suposta moral vigente, era inevitavelmente colocada à margem da sociedade e tornava-se difícil mesmo conseguir viver, pois todas as facilidades (que já eram poucas) lhes eram tiradas, pois ela se tornara pessoa "marginal". Alguma semelhança à infame e desumana cultura do cancelamento de nossos dias? Pois é. Não só diz-se que as gerações atuais tem o costume de ressuscitar os costumes de das duas décadas (ou mais) anteriores, como isso já foi provado por estudos comportamentais realizados e dezenas de matérias a respeito publicadas; o problema é que nem sempre são ressuscitados bons costumes, mas também antigos vícios, alguns bem execráveis e inadmissíveis ao progresso humano em direção a um ideal humanitário e fraternal, onde busca-se atingir um mundo melhor, com relações saudáveis tanto para conosco, humanos, quanto para com os demais seres com os quais dividimos a vida neste planetinha azul.

Mas onde estaria a falha? Seria um erro de avaliação e bom censo? Mas isso não estaria ligado ao próprio interesse individual humano em buscar realmente se melhorar e eliminar de si os próprio equívocos inerentes e interferentes em seus, não só julgamentos, mas comportamento e pensamentos?

Na Bíblia se fala de "pecados", mas tirando toda sorte de religionisses, que só trouxeram mais problemas para a epopeia humana, do que benefícios, provavelmente sempre nos tenhamos equivocado em saber o verdadeiro sentido e dimensão que se buscou atingir com a escolha desta palavra. Ao invés de pensarmos de forma tão rasa, deveríamos atentar que, talvez, se buscasse dizer, pura e simplesmente, que devemos eliminar de nós o péssimo costume de querer estabelecer padrões muito particulares e baseados em critérios provavelmente muito duvidosos para pautar a vida do semelhante, posto que este, a meu ver, tem sido o maior mal do ser humano. Em toda a história, não fizemos mais do que condenar o outro pelo que supostamente deveria ser o certo e, muitas vezes, distorcendo os fatos ou omitindo-os, vaticinamos que este suposto mal deva ser eliminado da face da terra, custe o que custar, quase sempre cometendo as maiores atrocidades em escala global, em um processo de guerras consecutivas e sem fim. E pensar que isso começa com um supostamente inocente julgamento em relação à decisão de outra pessoa, que escolhe mudar e fazer algo diferente de/em sua vida.

Talvez, o problema do ser humano não seja o ego, mas o egocentrismo, a egolatria, o egoísmo. Mudar o foco para uma possibilidade mais coletiva e em expansão constante pode ser o único caminho da "salvação" de uma sociedade aos trancos e barrancos faz tempo e que muitos consideram em claro declínio e cujo destino pode ser derradeiro, caso não consigamos virar esta chave tão necessária.

Tudo isso é um bom ponto, creio eu, para ser não só refletido e paralisado na reflexão, mas que trazido para o dia à dia os seus bons resultados; e que resolvamos também mudar nosso modus operandi, para uma vida de relacionamentos mais respeitosos e, obviamente, mais saudáveis. 

Mudar, finalmente, pode ser a melhor escolha, em vez de julgar.