05 abril, 2017

Sob A Luz do Deserto


A primeira coisa de que me lembro é o sol quente queimando meu rosto e ofuscando minha vista. Meus pés doíam, como se eu já tivesse andado por quilômetros. Pois é, esta é a questão, eu não me lembrava de nada.

A pior coisa que pode acontecer com alguém é não lembra-se de nada. Acrescenta-se a isso um imenso deserto, que bem poderia estar em qualquer parte e pronto! A receita perfeita para a melhor – ou pior! - forma de estar perdido.

A questão era grave. O fato é que, não bastasse não ter a mínima ideia de onde estava e de como fora parar ali, também não lembrava sequer quem eu era. Nada. Nenhum resquício de qualquer lembrança que me ajudasse a ter uma pista de quem era esse ambulante cercado de todos os lados por um imenso deserto.

Estava tão cansado… Sentia dores localizadas em diversas partes do corpo. Em algumas delas acompanhavam manchas arroxeadas. 

Como diabos eu fora parar ali? E por que?

Quem era eu?

E se eu fora colocado ali para morrer? De repente, vai ver eu tinha me metido com algum tipo de máfia e que agora me cobrava o preço de alguma atitude imbecil.

Não dava. Qualquer história poderia preencher a lacuna, mas nenhuma delas fazia qualquer sentido.   Aliás, não creio que qualquer coisa possa fazer algum sentido, quando não se sabe sequer o próprio nome.

Continuei andando. Não me restavam muitas opções. Ou eu continuava andando, ou ficava ali, torrando naquele sol insuportável.

Havia alguns amontoados de rocha não muito distantes e que poderiam me oferecer alguma sombra, pelo menos enquanto o sol estivesse a pino.

Não foi difícil encontrar uma fenda com alguma sombra. Não era lá essas coisas, mas era profunda o bastante para proteger-me do calor excessivo e estava bom assim. Era isso, ou o sol queimando a “mufa”.

Tentei lembrar alguma coia, forçando a memória, mas o máximo que consegui foram pequenos flashes sem sentido.

Fiquei ali, esperando o sol baixar um pouco e descansando meus pés, os quais já libertara dos sapatos.

Por algum tempo tentei lembrar de alguma coisa, mas logo percebi que fazer força não era o melhor caminho; o único resultado foi uma dor de cabeça bem chatinha, que veio se juntar aos demais incômodos que me torturavam lentamente.

O silêncio, que muitas vezes almejamos, tornava-se supremo naquele meio de nada. Sua supremacia era tão poderosa, que chegava a incomodar; não havia o mais simples ruído. Nada. Mas eu estava tão cansado e incomodado com o calor, que mesmo opressor, o silêncio fazia parte do refrigério proporcionado por aquele buraco sombreado na rocha.

Procurei relaxar ao máximo para aproveitar e tentar recuperar as forças. Estranhamente não estava com sede. Fechei os olhos e concentrei-me no vai e vem da respiração.


Acordei sobressaltado com um uivo distante que, à princípio, não tive certeza se fora parte de um sonho, ou realmente acontecera; mas, em seguida, novo uivo veio a confirmar a realidade.

Levantei-me com certa dificuldade, sentindo algumas dores nas articulações; nada anormal; aquela fenda estava muito distante do conceito de cama.

O deserto permanecia silencioso, a não ser pelo ocasional uivo do coiote.

Continuava sem lembranças. Nem flashes, nem nada. O sono não gerou sonhos que pudessem me dar uma pista.

A noite estava escura, muito escura. A via-láctea enfeitava o céu, como uma pintura de Van Gogh.

Notei que estava sentindo frio, não pela sensação em si, que ainda não tinha dado-me conta, mas porque minhas mãos e meus lábios tremiam, o que logo se espalhou por todo o corpo.

Esfreguei os braços procurando algum alívio, enquanto olhava ao redor, tentando identificar algum graveto, já pensando em acender uma fogueira, mas a noite estava escura demais e mal podia ver minhas próprias mãos diante do rosto.

Comecei a saltitar na esperança de que o exercício gerasse algum calor, mas o frio era muito intenso e logo ainda estava gelado e, agora, também cansado. 

Estava consciente de que precisava fazer alguma coisa, ou aquela noite seria minha última noite, mas não conseguia pensar direito; o frio estava avançando rapidamente.

Caí de joelhos.

A respiração estava difícil.

Senti algo chocar-se contra meu corpo. Alguma animal, talvez…

Algo arranhava meu rosto. Parecia… areia. Dei-me conta de que nada se chocara realmente contra mim; tomado pelo frio devorador, não me dei conta de que caíra de vez. O baque que senti fora de meu corpo atingindo o solo arenoso.

Estava morrendo.

Já quase não sentia meu próprio corpo. Começava a entrar num estado, onde as coisas eram incertas e já não sabia se dormia ou delirava. Não dava para confiar mais em meus sentidos.

Uma luz… Talvez. Não sabia. Talvez estivesse delirando de fato.

Uma sombra na luz; uma mancha crescente; algo disforme e crescente.

Já não conseguia manter os olhos abertos. Piscava lentamente.

A mancha escura crescia na luz, tomando finalmente forma. Parecia alguém, um ser humano que se aproximava.

Senti-me flutuar. Já não sentia a areia no rosto.

Movimento. Delirava? Não. Movimento, sim.

Ah… Tanto sono…

Não resisti. Mergulhei na escuridão. Perdi os sentidos.


Vozes.

Não entendo o que dizem.

Alguém me observa. Não consigo ver direito; parece um sonho. Imagens vem desconexas, formando histórias absurdas em minha mente delirante.

Não sei quanto tempo fiquei assim, perdido entre sonho e consciência. Nada fazia sentido. Eu só queria que esta confusão dispersasse e pudesse dormir em paz, sem delírios, sem sonhos. Nada.

- Você ficará bem. - Alguém disse. Ou pareceu dizer.

Voltei à escuridão do sono profundo.

Senti um suave carinho em meu rosto, cujo frescor era alento delicioso. Tive receio de abrir os olhos e tudo parar, mas a curiosidade falou mais alto.

Deitado numa chaise, era acariciado pela suave brisa, cujo perfume era indefinível. Ao meu redor, uma enorme varanda de detalhados e delicados afrescos. Diante de mim, uma visão exuberante de enormes fiordes decorados de inúmeras e distantes cachoeiras, cujas águas atiravam-se vertiginosa e lentamente rocha abaixo.

Uma mesa de cristal estendia-se a meu lado, repleta de diversas frutas e iguarias que não conhecia.

Lembrei-me do deserto e pareceu-me uma lembrança distante. Apenas uma lembrança.

Um repentino esvoaçar de seda, porém suave e harmonioso em seus movimentos, prenunciou a chegada sobrenatural de uma linda mulher, mas que não parecia uma mulher com se espera. Sua pele extremamente branca e delicada, seus olhos de um tênue azul quase branco e seu sorriso confortador, emoldurados por comprida e sedosa cabeleira branca como a neve, davam-lhe o aspecto de um anjo ou uma deusa de um panteão há muito esquecido pelos homens.

Ela segurou meu rosto estático, numa expressão de fascínio, entre suas delicadas mãos e seu olhar pareceu penetrar-me os mais profundos recônditos de minha alma.

 – Joriel… Que estrela te mantém cativo do véu de Ísis?

Eu não sabia o que dizer. Mergulhado entre fascínio e confusão, mal conseguia discernir as coisas, entào não havia como escolher palavra; apenas continuei olhando em seus tenros olhos.

 – Não importa, por hora. Fico feliz em recebê-lo de volta de teu exílio.

Ela abraçou-me e tudo mais não importava. Senti-me envolto pelo total conforto, que preencheu-me até a alma e que somente o amor verdadeiro torna possível.

E já não importavam desertos, memórias, nomes… Já não importavam vida ou morte. Eu só queria continuar ali, no aconchego daquele abraço atemporal, como se o fim fosse apenas uma quimera e aquele momento jamais se perdesse no tempo.

16 março, 2017

SOMBRIOS MOMENTOS INFANTIS

Ela entrou no ônibus como comumente fazem as pessoas. Pagou como todo mundo e sentou-se.

Confesso que, a princípio, nada despertara minha atenção para aquela senhorinha. Estava entretido entre a paisagem a deslizar pela janela e os raios de sol que repetidamente ofuscavam-me a visão. Mas, assim que o estalo da roleta anunciou sua passagem, voltei-me para ela inadvertidamente, levado por uma força imperceptível de alguém que olha apenas por querer experimentar outra paisagem. Foi então que nossos olhares se cruzaram e um cintilar diferente prendeu minha atenção. No mesmo instante, certo incômodo percorreu meu íntimo; uma sensação de perigo e, ao mesmo tempo, como se um magnetismo sobrenatural e até agradável me impedisse de desviar o olhar.

Ela foi quem desviou o olhar primeiro. Sentou-se e deu uma rápida olhada inexpressiva, voltando a olhar para a frente.

Não estava realmente nervoso, mas podia sentir o ritmo diferenciado de meu coração dentro do peito. 

Tentava disfarçar, mas meus olhos acabavam incontrolavelmente voltando para ela.

Procurava dizer-me silenciosamente que minha preocupação era absurda e que minha reação a uma simples senhora, num momento comum do cotidiano, beirava a insanidade. No entanto, era impossível ignorar a estranha sensação de alerta, que fugia-me à compreensão. Não havia nada de extraordinário nela; até mesmo sua vestimenta era bem simples e nada extravagante.

Fiquei ali, observando e desviando o olhar, não sem grande esforço, na tentativa inútil de parecer natural.

Um vendedor ambulante entrou e começou a anunciar monotonamente seus produtos comestíveis e industriais, como se fossem a nova maravilha da alimentação, cuja a qualidade de distrair-nos a viagem fosse razão suficiente para ignorarmos os corantes, conservantes, estabilizadores e aromas artificiais – quase todos cancerígenos – e adquiríssemos um dos pacotes vendidos.

Ela o ignorou completamente. No entanto, olhou-me como sentindo-se e invadida. Apertou os olhos como fazem os felinos quando estão incomodados e voltou-se novamente para a frente.

Congelei.

- Mas que diabos! - Engoli em seco e comecei a sentir medo. Passei a pensar na possibilidade de descer em qualquer ponto, mesmo que ainda estivesse bem longe de meu destino. Em minha mente se estabelecia um conflito entre razão e um estado de quase pânico, onde a insanidade começava a sustentar um papel preponderantemente anarquista.

O que era aquilo? Por que estava me sentindo daquele jeito? Afinal, era somente uma senhora nada ameaçadora; não estava com uma faca na mão, em um lugar suspeitoso, mas sim, dentro de um ônibus e rodeados por outras tantas pessoas! Mas minha mente permanecia cativa de uma inquietude incontrolável, deixando-me todos os sentidos à flor da pele. 

Chamei o vendedor ambulante e comprei um saco de balas. Talvez o açúcar me ajudasse a acalmar os nervos, o que não estava conseguindo fazer sozinho.

Ela olhou-me novamente de rabo de olho, como se sentisse tudo o que se passava em minha mente desequilibrada.

Voltou a olhar para a frente.

Segurou na alça do banco da frente e, com um impulso, pôs-se de pé. Virou-se lentamente, enquanto ajeitava-se e veio caminhando pelo corredor, em minha direção.

Comecei a suar frio. 

Meu coração mantinha-se acelerado, como o rufar de mil tambores em uníssono que só eu ouvia, mas parecia tão alto, que todos bem poderiam estar escutando.

Ela veio andando e passou por mim lentamente. Parecia-me uma eternidade.

Assim que ela passou, foi como se o tempo parasse. Será que ela teria passado e seguido até o final do corredor, descendo do ônibus, ou parara atrás de mim, tornando-me a vítima perfeita e sem qualquer possibilidade de reação de seja lá quais fossem seus planos obscuros e, talvez, terríveis?

Embora apenas alguns segundos tivessem passado, a eternidade se estendia em meus sentidos, feito um carrasco entre o levantar do machado e o ocaso fatal.

Aquele suplício não poderia continuar. Então, tomei a coragem que, aparentemente, eu não tinha e virei o rosto, torcendo o corpo em seguida, procurando alcançar com a vista, o fundo do ônibus. Olhei cada pessoa sentada e em pé, vasculhando cada feição, cada vão que pudesse estar fora do meu campo de visão.

Nada.

Respirei tão profunda e ruidosamente que, acho, todos no ônibus perceberam, muito embora não pudessem compreender e nem se importassem de fato.

Voltei-me novamente para a frente aliviado. Ela descera.

Fui acalmando-me aos poucos, até que comecei a duvidar de minha própria sanidade e a rir de mim mesmo. O que fora aquele inusitado repente de loucura? Mas, então, relembrei a estranha sensação que senti, quando a senhora entrara no ônibus; seu olhar que parecia prescrutar minha alma. Fiquei sério e pensativo.

Há momentos em nossas vidas, onde tudo parece tão normal quanto sempre foi, até que, por um descuido qualquer do destino, ou por seu puro deleite, como se fosse uma entidade consciente e quisesse divertir-se conosco, deixasse que universos diferentes atravessassem uma encruzilhada no mesmo instante, nos atirando como atores num palco de vida e morte, onde nos tornamos derradeiros personagens tão infantis quanto sombrios. E sem que percebamos, somos às vezes lobo e outras vezes, chapeuzinho vermelho.

A.Zimmer

20 dezembro, 2016

SONHOS

Algumas noites
Me levam as sombras
Me mostram vozes perdidas
E observo outros reinos
Passagens restritas 
Nenhuma ciência pode supor
Que sonhos façam sentido
Todas as dores de quem não vê
Seu ideal ferido 
Na luz perco a razão
Reinventando o tempo vazio
Esperando a vinda do sol
Que me leve do infinito frio 
O mar quebra na praia
Indiferente ao céu noturno
Enquanto caminho solitário
Imerso, infinito e soturno.

Olhos No Espelho

Olho-me no espelho
Vejo olhos através de olhos
Impávido fico... observando
A incerteza de ser eu.

11 novembro, 2016

Um pedacinho do livro que estou escrevendo...

Primeiras lembranças...

Por quantos anos os sonhos perduraram, atravessando desafiadoramente nuvens e hálitos de dias funestos? Quantas palavras, dissertações e silenciosos olhares eternizaram a perfeita cumplicidade inigualável e absoluta? Quantos desejos não foram apaziguados na cama perfeita, nas luzes de dias perfeitos, na companhia simples e perfeita? 

Os anos passam rápidos e, de repente, abrimos os olhos e mais nada parece como antes, como se o tempo voasse além de nosso alcance no ínfimo fechar e abrir de pálpebras. E a inevitável certeza do agora que logo passa, é o que resta para nos trazer de volta a solidão imposta, como se a felicidade tivesse que ser compensada com o isolamento de tudo quanto foi o mais importante.

A despedida não é algo fácil, mas a aceitação de seguir em frente é a pior dor de todas, quando se segue então sozinho.

Faz dez anos que ela se foi e, ainda assim, permanece a dificuldade de aceitar o eco de sua voz, como um suspiro sutil, que parece passear por todos os cômodos da velha casa, explorando possibilidades de trazer de volta o passado, quando em realidade é apenas um reflexo de lembrança que escapa à sanidade e resvala pela mente distraída, dando a impressão da atemporalidade, como se nada tivesse mudado, fazendo-nos esquecer a realidade presente e reviver o amor tão vivaz quanto a realidade do passado que se foi.

A casa já não tem a vivacidade de antes. Os móveis continuam nos mesmos lugares, mas já não se tem forças para subir as velhas escadas em caracol, que leva até a suíte de tantos sonhos, tantos momentos inesquecíveis. Melhor assim. Já é bastante difícil conviver com as muitas lembranças que o resto da casa amotina-se contra mim. 

O tempo passou e muita coisa mudou nestes dez anos. O velho carro continua na garagem, sem utilidade. Um bibelô, uma lembrança dos tempos de motores a explosão e a necessidade de veículos para se transportar de um lugar a outro. Os tempos são outros. As ruas são dos pedestres que vejo através das vidraças empoeiradas, quando me animo a olhar para o mundo lá fora. Os meios de transporte usuais ficaram obsoletos. Apenas eu permaneço aqui, isolado do presente, numa vã tentativa de perpetuar o passado, em nome de um amor que teima em não morrer. Talvez só minha morte possa devorar a ânsia inesgotável deste sentimento que perdura, que insiste em me acompanhar. Oh! Como leviano me tornei. Rio de minhas próprias lamentações, quando meu único desejo é manter esta chama dentro de mim indefinidamente, posto que sua luz ilumina o que me resta de sã consciência. 

Como me fazes falta, minha querida...


12 setembro, 2016

O Menino Triste


Por Alexander Zimmer

Neste domingo de manhã, eu vi um menininho em frente de minha casa. Enquanto outras crianças brincavam, ele estava triste e sentado num canto. Cheguei perto e sentei do seu lado.

Respeitei seu silêncio por um instante e depois perguntei porque ele estava triste. Ele pensou um pouco, talvez se deveria falar ou não, até que balbuciou que, na noite anterior tinha sido a festa de 15 anos de uma amiga que ele não via há algum tempo, pois mudara de colégio; mas eles se falavam de vez em quando.

Esperei ele continuar, mas ele não continuou. Então resolvi perguntar qual o problema; se tinha acontecido alguma coisa de ruim com ele na festa. Foi aí, que sua resposta me fez entender, no mesmo instante, o que ele realmente estava sentido.

- Eu não fui convidado. Um monte de gente foi, mas ela não me convidou.

E então, percebi que lágrimas escorriam de seus olhinhos e lavavam seu pequeno rostinho. Pensei por um instante e, colocando-me em seu lugar, senti-me do mesmo jeito que ele estava se sentindo. Olhei, então, para aquele menininho encolhido do meu lado e, chegando mais perto o abracei, dizendo:

- Está tudo bem. Às vezes, as pessoas esquecem dos amigos, mas não é porque são pessoas más; elas só ainda não sabem a importância que pessoas como nós, dão aqueles que amamos. E isso acontece, porque elas ainda não sabem o que é o amor de verdade; elas ainda estão aprendendo.
- Mas eu estou muito triste, por causa disso. - Ele disse.
- Eu entendo. Eu também fico triste, às vezes. Mas tento entendê-las. Afinal, elas precisam mais de amor do que a gente, pois a gente sabe a importância de cada pessoa que passa por nossas vidas; nós nos preocupamos em fazê-las felizes, pois isso nos deixa felizes também.
- É... Acho que sim. Nunca tinha pensado nisso. - Ele balbuciou.
- Então... Um dia, elas vão aprender a dar importância às pequenas coisas e, percebendo que é através delas que demonstramos o carinho que temos pelos outros, elas vão passar a tomar mais cuidado em não esquecer os amigos... Você parece ser um bom garoto. Não deixe que essa mágoa faça você perder a fé nas pessoas. Elas também estão aprendendo sobre a vida, assim como a gente. Perdoe-as e siga em frente, sendo sempre bom e carinhoso com elas, porque você está no caminho certo. Quem sabe, elas não aprendem mais fácil, de tanto observarem que você não desiste de ser uma pessoa boa e amorosa?
- Será? - Disse-me ele, já limpando as lágrimas do rosto.
- Sim, claro! Afinal, o caminho certo é sempre o caminho do bem, o caminho do amor e da compreensão.

Ele pensou durante algum tempo, enquanto olhava para o vazio. De repente, seu rosto se iluminou e ele abriu um sorriso, voltando-se para mim.

- Obrigado, moço. Vou fazer o que o senhor disse. Tchau!

Então, ele saiu correndo em direção às outras crianças, que brincavam na esquina da rua.

Levantei-me e, olhando para o azul infinito e profundo do céu daquela manhã de domingo, senti-me feliz, pois, naquele exato instante, tive a plena certeza de que nunca houve qualquer distância entre cada um de nós e o Universo. Tudo nunca fez tanto sentido, como naquele pequeno momento.


29 agosto, 2016

O Meu Deserto


Todos tem o seu deserto.

No meu deserto está a ansiedade e a impaciência, que minha ignorância expira de cada inspiração plantada pelos sonhos e a vontade insaciável de ser alguém melhor.

No meu deserto está minha estupidez, que perambula entre as dunas do esquecimento de tantas vidas sufocadas de erros e salvas por alguns acertos.

No meu deserto estou eu mesmo, horas tentando fugir de mim próprio, horas tentando encontrar-me por trás de minhas montanhas de dores, insatisfações e reclamações idiotas.

Todos tem um deserto.

E no meu deserto está a morte. Inefável personagem que anda me rondando, reservando-me surpresas e sorrindo sedutora, como a passagem para um jardim quase irresistível.

No meu deserto há um espelho, que reflete de volta toda minha vaidade agonizante, enquanto posso finalmente sorrir a liberdade que só o desapego sincero poderia ofertar-me, enquanto mato lentamente o ego senil.